A FÁBRICA

Dezembro 19 2005
Alexandre O'Neill, (n.19.12.1924-m.21.08.1986).
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
Os convencidos da vida só se isolam, por assim dizer, quando atingem uma certa cotação. As expressões “deixou de frequentar” e “passou a frequentar” podem muito bem indicar, na desprevenida conversa quotidiana, subidas ou descidas de cotação ou, mais simplesmente, mudanças de estratégia do convencido da vida. O convencido que se isola não o faz por desgosto da sua pessoa, senão perderia o estatuto e a prática de convencido da vida e correria o risco de se tornar um homem vulgar. Fá-lo para, arteiramente, tomar as suas distâncias. Por isso, quando isolado, o convencido “vai soprando notícias”, “vai fazendo constar”…Maneira de, ausente, estar presente. Não há, nesse estudado isolamento, nenhum Vale de Lobos.
No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.
Alexandre O’Neill, in “Uma Coisa em Forma de Assim”, páginas, 27, 28 e 29.
publicado por armando ésse às 09:33

Dezembro 19 2005
Alexandre O'Neill, (n.19.12.1924-m.21.08.1986).
Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
Os convencidos da vida só se isolam, por assim dizer, quando atingem uma certa cotação. As expressões “deixou de frequentar” e “passou a frequentar” podem muito bem indicar, na desprevenida conversa quotidiana, subidas ou descidas de cotação ou, mais simplesmente, mudanças de estratégia do convencido da vida. O convencido que se isola não o faz por desgosto da sua pessoa, senão perderia o estatuto e a prática de convencido da vida e correria o risco de se tornar um homem vulgar. Fá-lo para, arteiramente, tomar as suas distâncias. Por isso, quando isolado, o convencido “vai soprando notícias”, “vai fazendo constar”…Maneira de, ausente, estar presente. Não há, nesse estudado isolamento, nenhum Vale de Lobos.
No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.
Alexandre O’Neill, in “Uma Coisa em Forma de Assim”, páginas, 27, 28 e 29.
publicado por armando ésse às 09:33

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