A FÁBRICA

Abril 20 2006

No final das operações de vigilância das estradas em épocas que coincidem com os principias feriados e com grandes deslocações na população, faz-se um balanço que é, invariavelmente, dramático. Os mortos são sempre muitos, os feridos imensos e os acidentes incontáveis. As causas todos as conhecem. As medidas para a resolução dos problemas não conseguem ter efeitos significativos.
Uma forma de enquadrar estas conclusões acaba por ser partilhar a experiência do que é morar na proximidade de uma estrada como o IP4 tentando, desta forma, mostrar o que significa conviver em permanência com o infortúnio resultante dos acidentes que frequentemente sucedem numa estrada como esta.
Certo dia assisti a uma conversa, quando passeava na cidade, bastante elucidativa no que diz respeito ao carácter desconcertante dos comportamentos que as pessoas foram desenvolvendo relativamente às sucessivas tragédias que ocorrem naquele itinerário O assunto era sobre a direcção que uma ambulância seguia, cuja sirene se fazia ouvir aos berros a uma velocidade quase alucinante. O seu conteúdo resume-se facilmente.
Um dos intervenientes fez referência à ambulância, o seu interlocutor rapidamente disse que deveria ser mais um acidente no IP4.Não foi o facto de ter estabelecido a ligação de imediato. Foi a forma como o disse e o timbre de voz utilizado que me deixaram espantado. Um misto de resignação conjugado com uma assustadora certeza na afirmação, como se a sua suposição fosse algo mais que isso, a única hipótese plausível para o surgimento da ambulância. Esta certeza é, por si só, absolutamente desconcertante. É como se o epíteto de “estrada da morte” implicasse de facto uma fatalidade a cada sinal de urgência. Pior que isso, o aparente condicionamento surgido da convivência diária com esta realidade, parece ter como consequência um distanciamento psicológico, em que mais um acidente já não provoca qualquer tipo de choque.
Aliás, uma das mais pungentes ocorrências que testemunhei está precisamente relacionada com o acidente de um amigo.
Num dia como tantos outros, no caminho para o trabalho, oiço no rádio a anunciar um acidente de viação no IP4. Nada de anormal até aqui. Como já sucedeu algumas vezes e porque esse é o seu percurso diário, normalmente, recebo uma chamada a pedir para eu avisar no serviço que vai chegar tarde. As filas resultantes costumam ser grandes e demoradas. De facto recebi a chamada, mas para meu espanto, não me disse que ia chegar atrasado, mas sim que o acidente tinha sido com ele.
Desloquei-me ao local e, ao chegar, o aparato do costume, enfim nada a que quase toda a população portuguesa ainda não tenha feito. Dirijo-me ao carro e subitamente apercebi-me da frágil condição humana, numa reacção desencadeada pelo aparecimento de pessoas com relações de amizade e que, instintivamente, nos fazem ceder aos nossos sentimentos mais profundos.
Assim, com a voz embargada, com lágrimas nos olhos, num rasgo de clarividência evidentemente relacionado com a proximidade com a morte, apenas disse:
-Pensei que nunca mais via os meus filhos.
Fui trespassado por um sentimento de solidariedade. Nesse momento, as lágrimas acercaram-se dos meus olhos e apenas não chorei por mero acaso.O resto não interessa.
Este drama humano, tantas vezes visto e revisto, terminou sem sequelas maiores, mas quantos e quantos não voltaram a ver os filhos, as mulheres e os maridos, os pais e os irmãos. Um manto de morte distende-se ominosamente sobre todas as estradas e parece que não faz diferença absolutamente nenhuma. Tudo o que se diz e faz não passa, por um lado, de meros artifícios de linguagem e, por outro lado medidas preventivas sem resultados, invariavelmente, são esquecidos. Nos carros, as pessoas convivem em permanência com esta condição, pensando que um dia, nesta ou naquela estrada serão confrontados com uma situação semelhante, ou pior.
Regressando às causas parece-me evidente que não podemos imputar os acidentes apenas à qualidade das estradas. As duas principais são o álcool e o excesso de velocidade.
Quanto ao primeiro, está regulado e apenas depende da consciência de cada um.
Quanto a o segundo, ocorre-me a história do escorpião e da rã: Resumidamente a rã ofereceu-se para atravessar o escorpião num riacho. A meio do caminho este espetou o seu ferrão na rã, que já moribunda lhe pergunta
– Porque fizeste isto?
Agora vamos morrer os dois.
Resposta – Não consegui evitar. È a minha natureza.
Quer isto dizer que é muito difícil resistir à tentações, aos fluxos de adrenalina provocados pela velocidade e que viciam e, com os meios disponíveis, utilizam-se. Em Portugal, o nível da falta de civismo na condução é insuperável. Após as várias tentativas infrutíferas de o transmitir à população, tudo continua vergonhosamente na mesma. É, por isso, que provavelmente não é feita a abordagem ao problema que a gravidade da situação exige.
Assim, todos sabemos que grande parte dos acidentes são provocados pelo excesso de velocidade e basta comprar uma revista da especialidade e olhar para a coluna das velocidades máximas para verificar que, pura e simplesmente, não existe uma única marca que indique que seu carro não ultrapassa os 120km/h ou mesmo, os 150Km/h.
Estamos perante, claramente, uma espécie de fábrica de ilusões. É irrefutável que saber de antemão que ao por à disposição das pessoas algo que os pode levar a violar a lei é um estímulo que deveria ser controlado por quem o pode fazer, nomeadamente o Estado, à semelhança do que faz com muitas outras coisas.
Provavelmente, o que é necessário é coragem para regulamentar e enfrentar os lóbis dos construtores de automóveis e ter sempre presente que, ao que parece, a única pessoa que conseguiu resistir à tentação, foi Jesus Cristo.
Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 08:18

Abril 20 2006

No final das operações de vigilância das estradas em épocas que coincidem com os principias feriados e com grandes deslocações na população, faz-se um balanço que é, invariavelmente, dramático. Os mortos são sempre muitos, os feridos imensos e os acidentes incontáveis. As causas todos as conhecem. As medidas para a resolução dos problemas não conseguem ter efeitos significativos.
Uma forma de enquadrar estas conclusões acaba por ser partilhar a experiência do que é morar na proximidade de uma estrada como o IP4 tentando, desta forma, mostrar o que significa conviver em permanência com o infortúnio resultante dos acidentes que frequentemente sucedem numa estrada como esta.
Certo dia assisti a uma conversa, quando passeava na cidade, bastante elucidativa no que diz respeito ao carácter desconcertante dos comportamentos que as pessoas foram desenvolvendo relativamente às sucessivas tragédias que ocorrem naquele itinerário O assunto era sobre a direcção que uma ambulância seguia, cuja sirene se fazia ouvir aos berros a uma velocidade quase alucinante. O seu conteúdo resume-se facilmente.
Um dos intervenientes fez referência à ambulância, o seu interlocutor rapidamente disse que deveria ser mais um acidente no IP4.Não foi o facto de ter estabelecido a ligação de imediato. Foi a forma como o disse e o timbre de voz utilizado que me deixaram espantado. Um misto de resignação conjugado com uma assustadora certeza na afirmação, como se a sua suposição fosse algo mais que isso, a única hipótese plausível para o surgimento da ambulância. Esta certeza é, por si só, absolutamente desconcertante. É como se o epíteto de “estrada da morte” implicasse de facto uma fatalidade a cada sinal de urgência. Pior que isso, o aparente condicionamento surgido da convivência diária com esta realidade, parece ter como consequência um distanciamento psicológico, em que mais um acidente já não provoca qualquer tipo de choque.
Aliás, uma das mais pungentes ocorrências que testemunhei está precisamente relacionada com o acidente de um amigo.
Num dia como tantos outros, no caminho para o trabalho, oiço no rádio a anunciar um acidente de viação no IP4. Nada de anormal até aqui. Como já sucedeu algumas vezes e porque esse é o seu percurso diário, normalmente, recebo uma chamada a pedir para eu avisar no serviço que vai chegar tarde. As filas resultantes costumam ser grandes e demoradas. De facto recebi a chamada, mas para meu espanto, não me disse que ia chegar atrasado, mas sim que o acidente tinha sido com ele.
Desloquei-me ao local e, ao chegar, o aparato do costume, enfim nada a que quase toda a população portuguesa ainda não tenha feito. Dirijo-me ao carro e subitamente apercebi-me da frágil condição humana, numa reacção desencadeada pelo aparecimento de pessoas com relações de amizade e que, instintivamente, nos fazem ceder aos nossos sentimentos mais profundos.
Assim, com a voz embargada, com lágrimas nos olhos, num rasgo de clarividência evidentemente relacionado com a proximidade com a morte, apenas disse:
-Pensei que nunca mais via os meus filhos.
Fui trespassado por um sentimento de solidariedade. Nesse momento, as lágrimas acercaram-se dos meus olhos e apenas não chorei por mero acaso.O resto não interessa.
Este drama humano, tantas vezes visto e revisto, terminou sem sequelas maiores, mas quantos e quantos não voltaram a ver os filhos, as mulheres e os maridos, os pais e os irmãos. Um manto de morte distende-se ominosamente sobre todas as estradas e parece que não faz diferença absolutamente nenhuma. Tudo o que se diz e faz não passa, por um lado, de meros artifícios de linguagem e, por outro lado medidas preventivas sem resultados, invariavelmente, são esquecidos. Nos carros, as pessoas convivem em permanência com esta condição, pensando que um dia, nesta ou naquela estrada serão confrontados com uma situação semelhante, ou pior.
Regressando às causas parece-me evidente que não podemos imputar os acidentes apenas à qualidade das estradas. As duas principais são o álcool e o excesso de velocidade.
Quanto ao primeiro, está regulado e apenas depende da consciência de cada um.
Quanto a o segundo, ocorre-me a história do escorpião e da rã: Resumidamente a rã ofereceu-se para atravessar o escorpião num riacho. A meio do caminho este espetou o seu ferrão na rã, que já moribunda lhe pergunta
– Porque fizeste isto?
Agora vamos morrer os dois.
Resposta – Não consegui evitar. È a minha natureza.
Quer isto dizer que é muito difícil resistir à tentações, aos fluxos de adrenalina provocados pela velocidade e que viciam e, com os meios disponíveis, utilizam-se. Em Portugal, o nível da falta de civismo na condução é insuperável. Após as várias tentativas infrutíferas de o transmitir à população, tudo continua vergonhosamente na mesma. É, por isso, que provavelmente não é feita a abordagem ao problema que a gravidade da situação exige.
Assim, todos sabemos que grande parte dos acidentes são provocados pelo excesso de velocidade e basta comprar uma revista da especialidade e olhar para a coluna das velocidades máximas para verificar que, pura e simplesmente, não existe uma única marca que indique que seu carro não ultrapassa os 120km/h ou mesmo, os 150Km/h.
Estamos perante, claramente, uma espécie de fábrica de ilusões. É irrefutável que saber de antemão que ao por à disposição das pessoas algo que os pode levar a violar a lei é um estímulo que deveria ser controlado por quem o pode fazer, nomeadamente o Estado, à semelhança do que faz com muitas outras coisas.
Provavelmente, o que é necessário é coragem para regulamentar e enfrentar os lóbis dos construtores de automóveis e ter sempre presente que, ao que parece, a única pessoa que conseguiu resistir à tentação, foi Jesus Cristo.
Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 08:18

Abril 18 2006

A História de Portugal está repleta de factos gloriosos que nos enobrecem enquanto Nação, porém, também têm alguns acontecimentos hediondos, em que o fanatismo e a intolerância, tomaram conta da multidão, levando-os a assassinar cruel e estupidamente milhares de inocentes.
Nos próximos dias, 19, 20 e 21 de Abril, cumprir-se-ão quinhentos anos, de uma das mais negras e vergonhosas páginas da História de Portugal, o massacre de, entre três mil e quatro mil, cristãos - novos na cidade de Lisboa.
Na segunda metade do século XV, a Península Ibérica tinha mais judeus do que qualquer outra região do mundo. Ocupada durante séculos pelos muçulmanos, que concediam aos judeus liberdade de culto, a Península Ibérica tornou-se um refúgio ideal e palco de uma intensa troca civilizacional entre elementos das culturas cristã, muçulmana e judaica.
Com a chegada ao poder dos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que se auto-intitulavam protectores da Igreja e defensores da fé e, instigados pelo triste e dramaticamente célebre Torquemada, confessor da rainha Isabel e figura principal da Inquisição espanhola, a vida calma dos judeus sefarditas estava a chegar ao fim, com o crescimento da política anti-semita, baseada no desejo de uma unificação e purificação religiosa. Torquemada explorava a desconfiança popular em relação aos judeus e difundia a suposta necessidade de que o país contasse apenas com sangue puramente cristão.
Com um clima de crescente intolerância, em 30 de Março de 1492 Fernando e Isabel publicaram o seu édito de expulsão, que determinava que os judeus que não se convertessem teriam de deixar o país até ao dia 3 de Agosto de 1492 (por curiosidade histórica, este foi o dia em que Cristóvão Colombo, deixou o porto de Palos, na sua viagem de descoberta da América), a partir daí, os que fossem encontrados seriam mortos.
Muitos dos judeus procuraram refúgio em Portugal, (os cálculos sobre os números dos que então se fixaram em Portugal oscilam, segundo as fontes, entre 30 000 e 90 000), sendo protegidos pelo rei Dom João II.
No entanto esta protecção seria sol de pouca dura, pois com a morte do rei D. João II, subiu ao trono de Portugal, D. Manuel I, que começou alimentar o sonho de ser rei de toda a Península Ibérica. O fundamental passo para a sua ambição, era o casamento de D. Manuel com a filha dos Reis Católicos, de modo a facilitar uma união dinástica, no entanto havia uma condição sine qua non para o casamento, a expulsão dos judeus de Portugal. O Rei no seu sonho e ambição, acabou por aceitar a exigência espanhola de expulsar todos os judeus residentes em Portugal que não se convertessem ao catolicismo, assim no dia 5 de Dezembro de 1496, promulgou o édito de expulsão dos judeus. Por este édito os judeus e os mouros deveriam abandonar o reino até Outubro de 1497.
Na realidade D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade, que então constituía um destacado elemento de progresso nos sectores da economia e das profissões liberais. A sua esperança era que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem eventualmente, como cristãos, atingir um maior grau de aculturação. Para obter os seus fins lançou mão de um subterfúgio, em vez de expulsar os judeus, decidiu convertê-los à força, tendo ordenado que os filhos menores de catorze anos fossem tirados aos pais a fim de serem convertidos.

"Na manhã de 19 de Março de 1497, padres e frades alinharam-se no adro de todas as igrejas de Portugal. Mas foram muito poucos os filhos dos judeus conduzidos espontaneamente à pia baptismal. Então, os funcionários do Rei foram de casa em casa e, arrancando os filhos do colo dos pais, levaram-nos à força. Muitos pais sufocaram os filhos ao apertá-los num derradeiro abraço. Muitas mães atiraram os bebés aos poços e depois suicidaram-se". Depois, quando chegou a data do embarque dos que se recusavam a aceitar o catolicismo, alegou que não havia navios suficientes para os levar e determinou um baptismo em massa dos que se tinham concentrado em Lisboa à espera de transporte para outros países. Muitos foram arrastados até à pia baptismal pelas barbas ou pelos cabelos. Ao que parece, cenas semelhantes registaram-se noutras cidades do país. Não existe contudo documentação oficial que confirme estes factos.
No fim do mês de Setembro de 1497, ficava saldado o preço que D. Manuel tivera de pagar para casar com a Princesa Isabel, de Espanha. O Rei respondeu à namorada afirmando que já não havia nenhum judeu em Portugal.
Para além dos que anteriormente tinham aceitado o baptismo sob pressão das circunstâncias, Portugal passava então a contar com uma enorme quantidade de cristãos -novos extremamente relutantes em aceitar o estatuto que lhes fora imposto. A situação dos convertidos era agora trágica. Antes, como judeus, tinham liberdade absoluta de praticar a sua religião. Agora, como cristãos por lei, não poderiam seguir o culto tradicional senão secretamente, sob pena de graves consequências. Céptico quando à ortodoxia dos convertidos, sobretudo dos forçados, D. Manuel promulgou a 30 de Maio de 1498 uma medida no sentido de que durante vinte anos não devessem ser molestados pelas suas convicções ou práticas religiosas.

Até 1506, os cristãos - novos puderam levar uma vida relativamente calma e prosperar. Mas o clero insistia:” O comportamento ambíguo dos marranos,( termo pejorativo, que designava os judeus obrigados a baptizarem-se à força, mas que continuavam a professar secretamente a sua fé), põe em causa muitas das certezas dos cristãos. E as consequências estão à vista: os costumes vão-se degradando, treme até o equilíbrio social. São necessários castigos exemplares, regras rígidas e dissuasoras. Nos casos mais graves, a própria morte.”
Devido a uma violenta seca que assolava Portugal, no princípio do ano de 1506 Portugal estava reduzidol à fome, agravada com uma peste que assolava a cidade de Lisboa, sendo que a sua intensidade em Abril era tanta que chegavam a “morrer um cento de indivíduos por dia”. “A culpa é dos marranos, que provocaram a ira de Deus com os seus pecados contínuos”, era a opinião comum. "Na manhã da Páscoa, 19 de Abril de 1506, uma enorme multidão enche a Igreja de São Domingos, para implorar o fim da epidemia. Por entre densas espirais de incenso e cânticos lúgubres, celebra-se a missa na Capela de Jesus. No momento da consagração, do braço de um crucifixo de madeira erguido ao lado do ostensório do altar-mor, solta-se inesperadamente uma luz.

Alguém grita, Milagre! De imediato todos começaram a gritar e devido ao espanto e ao medo caíam por terra, desmaiavam, contorciam-se em convulsões, batiam no peito gritando a minha culpa. Entre a multidão enlouquecida, um marrano, murmurou, que era apenas um feixe de luz. De repente já ninguém se interessava pela cruz milagrosa. Logo se acendeu contra ele a indignação dos crentes, incitada talvez pelos autores do suposto milagre. O blasfemo foi empurrado para fora da Igreja e desfizeram-na antes de poder pôr o pé no adro. O seu corpo foi arrastado pelas ruas e depois queimado."
Entretanto, os marinheiros alemães, holandeses, franceses que estavam atracados no porto de Lisboa, juntaram-se à multidão em fúria. Seguiu-se um massacre. "Nesse Domingo, seiscentos marranos foram apanhados de surpresa nas suas cozinhas, nos pátios, nas hortas, na rua e até nas igrejas cristãs onde tinham procurado refúgio. Os homens foram degolados, as crianças esquartejadas, as mulheres violadas, foram saqueadas e incendiadas as casas, os animais, as hortas e os jardins".
No dia seguinte, dois dominicanos ,o frei português João Mocho e o frei aragonês Bernardo, alimentaram a fúria do povo marchando pelas ruas com o crucifixo milagroso na mão, e gritavam, “heresia, heresia!” incitando o povo a dar caça aos hereges. Rapidamente se alastrou o fanatismo e o desgoverno pela cidade. "
Os cristãos novos que desprevenidamente circulavam pelas ruas eram espancados e mortos, arrastados, às vezes ainda vivos, atirados às fogueiras prontamente construídas na Ribeira e no Rossio. A barbárie tomou as formas mais perversas, dando lugar à vingança, à calúnia, à luxúria e ao roubo. Alguns dos cristãos velhos foram perseguidos e, para se salvar, tiveram que mostrar que não eram circuncidados. Invadiram e saquearam as casas dos cristãos novos, maltratando homens, mulheres, velhos e crianças. Tomavam crianças dos peitos das mães e, segurando-as pelos pés, atiravam-nas contra paredes, esmagando seus crânios. Donzelas e mulheres casadas eram violadas e atiradas às fogueiras espalhadas pelas ruas inundadas por sangue. Com a chegada da noite veio também o cansaço dos carniceiros e a barafunda cessou, dando oportunidade para que os cristãos novos fugissem ou se escondessem, auxiliados por cristãos velhos verdadeiramente tementes a Deus". Nesse dia morreram cerca de dois mil cristãos novos. Na terça, 21 de Abril, como as vitimas escasseavam a multidão foi-se acalmando, deixando atrás de si, entre três e quatro mil lisboetas mortos.
Entretanto um mensageiro tinha ido ao encontro do Rei D. Manuel I, que devido à peste se encontrava, no seu palácio em Abrantes, para lhe dar conhecimento do massacre que estava em curso na cidade de Lisboa.
"O Rei Dom Manuel foi arrebatado por uma raiva incontrolável. Ficou horrorizado com a terrível matança, mas acima de tudo não admitia que os padres se arrogassem o direito de provocar massacres, e ordenando o castigo de quem provocara o “santo delírio”, enviou para Lisboa um pequeno exército chefiado pelo regedor Ayres da Silva e pelo governador Álvaro de Castro.

Os dois frades foram destituídos, estrangulados e queimados na fogueira. Foram executados mais 30 homens vistos a apunhalar, estuprar, desmembrar e queimar marranos. Os cidadãos em geral foram multados num quinto das suas propriedades e privados do direito de eleger os conselheiros comunais. Lisboa foi castigada com a proibição de exibir, durante seis meses, o altíssimo título de “cidade sempre leal”.
publicado por armando ésse às 03:18

Abril 18 2006

A História de Portugal está repleta de factos gloriosos que nos enobrecem enquanto Nação, porém, também têm alguns acontecimentos hediondos, em que o fanatismo e a intolerância, tomaram conta da multidão, levando-os a assassinar cruel e estupidamente milhares de inocentes.
Nos próximos dias, 19, 20 e 21 de Abril, cumprir-se-ão quinhentos anos, de uma das mais negras e vergonhosas páginas da História de Portugal, o massacre de, entre três mil e quatro mil, cristãos - novos na cidade de Lisboa.
Na segunda metade do século XV, a Península Ibérica tinha mais judeus do que qualquer outra região do mundo. Ocupada durante séculos pelos muçulmanos, que concediam aos judeus liberdade de culto, a Península Ibérica tornou-se um refúgio ideal e palco de uma intensa troca civilizacional entre elementos das culturas cristã, muçulmana e judaica.
Com a chegada ao poder dos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que se auto-intitulavam protectores da Igreja e defensores da fé e, instigados pelo triste e dramaticamente célebre Torquemada, confessor da rainha Isabel e figura principal da Inquisição espanhola, a vida calma dos judeus sefarditas estava a chegar ao fim, com o crescimento da política anti-semita, baseada no desejo de uma unificação e purificação religiosa. Torquemada explorava a desconfiança popular em relação aos judeus e difundia a suposta necessidade de que o país contasse apenas com sangue puramente cristão.
Com um clima de crescente intolerância, em 30 de Março de 1492 Fernando e Isabel publicaram o seu édito de expulsão, que determinava que os judeus que não se convertessem teriam de deixar o país até ao dia 3 de Agosto de 1492 (por curiosidade histórica, este foi o dia em que Cristóvão Colombo, deixou o porto de Palos, na sua viagem de descoberta da América), a partir daí, os que fossem encontrados seriam mortos.
Muitos dos judeus procuraram refúgio em Portugal, (os cálculos sobre os números dos que então se fixaram em Portugal oscilam, segundo as fontes, entre 30 000 e 90 000), sendo protegidos pelo rei Dom João II.
No entanto esta protecção seria sol de pouca dura, pois com a morte do rei D. João II, subiu ao trono de Portugal, D. Manuel I, que começou alimentar o sonho de ser rei de toda a Península Ibérica. O fundamental passo para a sua ambição, era o casamento de D. Manuel com a filha dos Reis Católicos, de modo a facilitar uma união dinástica, no entanto havia uma condição sine qua non para o casamento, a expulsão dos judeus de Portugal. O Rei no seu sonho e ambição, acabou por aceitar a exigência espanhola de expulsar todos os judeus residentes em Portugal que não se convertessem ao catolicismo, assim no dia 5 de Dezembro de 1496, promulgou o édito de expulsão dos judeus. Por este édito os judeus e os mouros deveriam abandonar o reino até Outubro de 1497.
Na realidade D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade, que então constituía um destacado elemento de progresso nos sectores da economia e das profissões liberais. A sua esperança era que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem eventualmente, como cristãos, atingir um maior grau de aculturação. Para obter os seus fins lançou mão de um subterfúgio, em vez de expulsar os judeus, decidiu convertê-los à força, tendo ordenado que os filhos menores de catorze anos fossem tirados aos pais a fim de serem convertidos.

"Na manhã de 19 de Março de 1497, padres e frades alinharam-se no adro de todas as igrejas de Portugal. Mas foram muito poucos os filhos dos judeus conduzidos espontaneamente à pia baptismal. Então, os funcionários do Rei foram de casa em casa e, arrancando os filhos do colo dos pais, levaram-nos à força. Muitos pais sufocaram os filhos ao apertá-los num derradeiro abraço. Muitas mães atiraram os bebés aos poços e depois suicidaram-se". Depois, quando chegou a data do embarque dos que se recusavam a aceitar o catolicismo, alegou que não havia navios suficientes para os levar e determinou um baptismo em massa dos que se tinham concentrado em Lisboa à espera de transporte para outros países. Muitos foram arrastados até à pia baptismal pelas barbas ou pelos cabelos. Ao que parece, cenas semelhantes registaram-se noutras cidades do país. Não existe contudo documentação oficial que confirme estes factos.
No fim do mês de Setembro de 1497, ficava saldado o preço que D. Manuel tivera de pagar para casar com a Princesa Isabel, de Espanha. O Rei respondeu à namorada afirmando que já não havia nenhum judeu em Portugal.
Para além dos que anteriormente tinham aceitado o baptismo sob pressão das circunstâncias, Portugal passava então a contar com uma enorme quantidade de cristãos -novos extremamente relutantes em aceitar o estatuto que lhes fora imposto. A situação dos convertidos era agora trágica. Antes, como judeus, tinham liberdade absoluta de praticar a sua religião. Agora, como cristãos por lei, não poderiam seguir o culto tradicional senão secretamente, sob pena de graves consequências. Céptico quando à ortodoxia dos convertidos, sobretudo dos forçados, D. Manuel promulgou a 30 de Maio de 1498 uma medida no sentido de que durante vinte anos não devessem ser molestados pelas suas convicções ou práticas religiosas.

Até 1506, os cristãos - novos puderam levar uma vida relativamente calma e prosperar. Mas o clero insistia:” O comportamento ambíguo dos marranos,( termo pejorativo, que designava os judeus obrigados a baptizarem-se à força, mas que continuavam a professar secretamente a sua fé), põe em causa muitas das certezas dos cristãos. E as consequências estão à vista: os costumes vão-se degradando, treme até o equilíbrio social. São necessários castigos exemplares, regras rígidas e dissuasoras. Nos casos mais graves, a própria morte.”
Devido a uma violenta seca que assolava Portugal, no princípio do ano de 1506 Portugal estava reduzidol à fome, agravada com uma peste que assolava a cidade de Lisboa, sendo que a sua intensidade em Abril era tanta que chegavam a “morrer um cento de indivíduos por dia”. “A culpa é dos marranos, que provocaram a ira de Deus com os seus pecados contínuos”, era a opinião comum. "Na manhã da Páscoa, 19 de Abril de 1506, uma enorme multidão enche a Igreja de São Domingos, para implorar o fim da epidemia. Por entre densas espirais de incenso e cânticos lúgubres, celebra-se a missa na Capela de Jesus. No momento da consagração, do braço de um crucifixo de madeira erguido ao lado do ostensório do altar-mor, solta-se inesperadamente uma luz.

Alguém grita, Milagre! De imediato todos começaram a gritar e devido ao espanto e ao medo caíam por terra, desmaiavam, contorciam-se em convulsões, batiam no peito gritando a minha culpa. Entre a multidão enlouquecida, um marrano, murmurou, que era apenas um feixe de luz. De repente já ninguém se interessava pela cruz milagrosa. Logo se acendeu contra ele a indignação dos crentes, incitada talvez pelos autores do suposto milagre. O blasfemo foi empurrado para fora da Igreja e desfizeram-na antes de poder pôr o pé no adro. O seu corpo foi arrastado pelas ruas e depois queimado."
Entretanto, os marinheiros alemães, holandeses, franceses que estavam atracados no porto de Lisboa, juntaram-se à multidão em fúria. Seguiu-se um massacre. "Nesse Domingo, seiscentos marranos foram apanhados de surpresa nas suas cozinhas, nos pátios, nas hortas, na rua e até nas igrejas cristãs onde tinham procurado refúgio. Os homens foram degolados, as crianças esquartejadas, as mulheres violadas, foram saqueadas e incendiadas as casas, os animais, as hortas e os jardins".
No dia seguinte, dois dominicanos ,o frei português João Mocho e o frei aragonês Bernardo, alimentaram a fúria do povo marchando pelas ruas com o crucifixo milagroso na mão, e gritavam, “heresia, heresia!” incitando o povo a dar caça aos hereges. Rapidamente se alastrou o fanatismo e o desgoverno pela cidade. "
Os cristãos novos que desprevenidamente circulavam pelas ruas eram espancados e mortos, arrastados, às vezes ainda vivos, atirados às fogueiras prontamente construídas na Ribeira e no Rossio. A barbárie tomou as formas mais perversas, dando lugar à vingança, à calúnia, à luxúria e ao roubo. Alguns dos cristãos velhos foram perseguidos e, para se salvar, tiveram que mostrar que não eram circuncidados. Invadiram e saquearam as casas dos cristãos novos, maltratando homens, mulheres, velhos e crianças. Tomavam crianças dos peitos das mães e, segurando-as pelos pés, atiravam-nas contra paredes, esmagando seus crânios. Donzelas e mulheres casadas eram violadas e atiradas às fogueiras espalhadas pelas ruas inundadas por sangue. Com a chegada da noite veio também o cansaço dos carniceiros e a barafunda cessou, dando oportunidade para que os cristãos novos fugissem ou se escondessem, auxiliados por cristãos velhos verdadeiramente tementes a Deus". Nesse dia morreram cerca de dois mil cristãos novos. Na terça, 21 de Abril, como as vitimas escasseavam a multidão foi-se acalmando, deixando atrás de si, entre três e quatro mil lisboetas mortos.
Entretanto um mensageiro tinha ido ao encontro do Rei D. Manuel I, que devido à peste se encontrava, no seu palácio em Abrantes, para lhe dar conhecimento do massacre que estava em curso na cidade de Lisboa.
"O Rei Dom Manuel foi arrebatado por uma raiva incontrolável. Ficou horrorizado com a terrível matança, mas acima de tudo não admitia que os padres se arrogassem o direito de provocar massacres, e ordenando o castigo de quem provocara o “santo delírio”, enviou para Lisboa um pequeno exército chefiado pelo regedor Ayres da Silva e pelo governador Álvaro de Castro.

Os dois frades foram destituídos, estrangulados e queimados na fogueira. Foram executados mais 30 homens vistos a apunhalar, estuprar, desmembrar e queimar marranos. Os cidadãos em geral foram multados num quinto das suas propriedades e privados do direito de eleger os conselheiros comunais. Lisboa foi castigada com a proibição de exibir, durante seis meses, o altíssimo título de “cidade sempre leal”.
publicado por armando ésse às 03:18

Abril 15 2006

Um leigo não pode ter a presunção de querer discutir religião a um nível demasiado elevado. O que se pode discutir são sentimentos. Uns sentem que não existe Deus, afirmação tão válida e respeitável como dizer o contrário. O problema é esta espécie de transe religiosa do qual não se consegue escapar por manifesto condicionamento, e que é continuamente alimentada por uma máquina de propaganda que exacerba os sentimentos religiosos, colocando-os no topo das preocupações existenciais sem a devida relativização. Neste sentido, mesmo nos tempos que correm, por vezes somos confrontados com algumas coisas que são absolutamente desarmantes. Por exemplo, descobrimos através da comunicação de um auto proclamado porta-voz da divindade, que algumas das principais actividades do mundo moderno podem ser consideradas pecados.
Uma pequena reflexão levanta uma questão pertinente. Quais os reais motivos que levam a considerar navegar na Internet, ver Televisão ou ler Jornais um pecado, mesmo se o tempo gasto nelas for superior ao que se “perde” a ler as sagradas escrituras? A resposta é obviamente simples, qualquer destas acções pode ter como consequência o despertar para as contradições entre o professado pelas religiões e a vida real. Enquanto que a formação hermética das sagradas escrituras impede a libertação do pensamento ao condicioná-lo nas suas opções e horizontes, qualquer destas práticas, no limite, tende a eliminar as barreiras da ignorância.
Ao que parece, estes pecados da era moderna não foram integrados por decreto papal em nenhuma lista oficial desta índole, o que seria supremamente irónico atendendo ao dogma da infalibilidade do Papa. Até porque afirmar que não é o acto em si, mas o tempo que se ocupa em cada uma das coisas que é importante, não é algo facilmente assimilável. Será que não é mais importante uma atitude correcta perante a vida do que ler as sagradas escrituras? Será que fazê-lo no lugar das outras coisas, confere ou retira dignidade moral enquanto ser humano? Se assim for, quem não dedicar tempo nenhum ás sagradas escrituras, ao fim de três segundos na Net, na TV ou a ler jornais, torna-se imediatamente um herege.
Em relação à televisão, ver alguns dos programas é realmente um pecado. Só que isto está apenas relacionado com o conteúdo e não com tempo que se passa em frente ao televisor. Mas mesmo assim, tais comportamentos têm de ser compreendidos. A vida, por vezes, é tão difícil que as pessoas precisam é de algo que as entretenha e não de ler um livro que ao longo das suas páginas, na sua análise ascética da natureza humana, lhes diz que tudo o que fazem é pecado. Na verdade, alguns dos programas são absolutamente inúteis e, portanto, o tempo poderia ser ocupado a ler jornais ou livros. Só que isto também é pecado. Se bem que em Portugal, atendendo aos números da literacia, o cumprimentos desta espécie de decreto já é seguida há muito tempo. Há sempre coisas em que nos conseguimos antecipar.
Como normalmente acontece, em face das críticas, inicia-se a vitimização. Acusam-se os que se pronunciaram contra esta espécie de censura de terem retirado do contexto as palavras proferidas e, na falta de argumentos, atacam quem se levanta contra as suas tentativas de condicionamento global. O mais comum é afirmar tudo não passa de uma alerta contra os comportamentos da sociedade e não como qualquer tipo de censura. Depois aparecem os seus arautos. Os defensores da moral religiosa e da sua prevalência sobre Homem, acusando quem não assume a sua fé (católica), de ser desequilibrado, e de não resistir ás tentações do mundo. Ou então a afirmar que se deveriam queimar todos os livros que questionam as palavras da Igreja Católica. Queimar livros, na essência, é queimar também quem os escreveu. Uma espécie de regresso ao período da inquisição, substituída pela inquisição ao pensamento, ao tentar obliterar qualquer forma de liberdade intelectual que não seja a sua.
Mas isto vai mudar. Se Deus quiser. Lá estou eu a pecar. A invocar o Santo nome de Deus em vão. (Ou não?)

Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 17:03

Abril 15 2006

Um leigo não pode ter a presunção de querer discutir religião a um nível demasiado elevado. O que se pode discutir são sentimentos. Uns sentem que não existe Deus, afirmação tão válida e respeitável como dizer o contrário. O problema é esta espécie de transe religiosa do qual não se consegue escapar por manifesto condicionamento, e que é continuamente alimentada por uma máquina de propaganda que exacerba os sentimentos religiosos, colocando-os no topo das preocupações existenciais sem a devida relativização. Neste sentido, mesmo nos tempos que correm, por vezes somos confrontados com algumas coisas que são absolutamente desarmantes. Por exemplo, descobrimos através da comunicação de um auto proclamado porta-voz da divindade, que algumas das principais actividades do mundo moderno podem ser consideradas pecados.
Uma pequena reflexão levanta uma questão pertinente. Quais os reais motivos que levam a considerar navegar na Internet, ver Televisão ou ler Jornais um pecado, mesmo se o tempo gasto nelas for superior ao que se “perde” a ler as sagradas escrituras? A resposta é obviamente simples, qualquer destas acções pode ter como consequência o despertar para as contradições entre o professado pelas religiões e a vida real. Enquanto que a formação hermética das sagradas escrituras impede a libertação do pensamento ao condicioná-lo nas suas opções e horizontes, qualquer destas práticas, no limite, tende a eliminar as barreiras da ignorância.
Ao que parece, estes pecados da era moderna não foram integrados por decreto papal em nenhuma lista oficial desta índole, o que seria supremamente irónico atendendo ao dogma da infalibilidade do Papa. Até porque afirmar que não é o acto em si, mas o tempo que se ocupa em cada uma das coisas que é importante, não é algo facilmente assimilável. Será que não é mais importante uma atitude correcta perante a vida do que ler as sagradas escrituras? Será que fazê-lo no lugar das outras coisas, confere ou retira dignidade moral enquanto ser humano? Se assim for, quem não dedicar tempo nenhum ás sagradas escrituras, ao fim de três segundos na Net, na TV ou a ler jornais, torna-se imediatamente um herege.
Em relação à televisão, ver alguns dos programas é realmente um pecado. Só que isto está apenas relacionado com o conteúdo e não com tempo que se passa em frente ao televisor. Mas mesmo assim, tais comportamentos têm de ser compreendidos. A vida, por vezes, é tão difícil que as pessoas precisam é de algo que as entretenha e não de ler um livro que ao longo das suas páginas, na sua análise ascética da natureza humana, lhes diz que tudo o que fazem é pecado. Na verdade, alguns dos programas são absolutamente inúteis e, portanto, o tempo poderia ser ocupado a ler jornais ou livros. Só que isto também é pecado. Se bem que em Portugal, atendendo aos números da literacia, o cumprimentos desta espécie de decreto já é seguida há muito tempo. Há sempre coisas em que nos conseguimos antecipar.
Como normalmente acontece, em face das críticas, inicia-se a vitimização. Acusam-se os que se pronunciaram contra esta espécie de censura de terem retirado do contexto as palavras proferidas e, na falta de argumentos, atacam quem se levanta contra as suas tentativas de condicionamento global. O mais comum é afirmar tudo não passa de uma alerta contra os comportamentos da sociedade e não como qualquer tipo de censura. Depois aparecem os seus arautos. Os defensores da moral religiosa e da sua prevalência sobre Homem, acusando quem não assume a sua fé (católica), de ser desequilibrado, e de não resistir ás tentações do mundo. Ou então a afirmar que se deveriam queimar todos os livros que questionam as palavras da Igreja Católica. Queimar livros, na essência, é queimar também quem os escreveu. Uma espécie de regresso ao período da inquisição, substituída pela inquisição ao pensamento, ao tentar obliterar qualquer forma de liberdade intelectual que não seja a sua.
Mas isto vai mudar. Se Deus quiser. Lá estou eu a pecar. A invocar o Santo nome de Deus em vão. (Ou não?)

Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 17:03

Abril 13 2006

Considerado um dos maiores escritores e dramaturgos do século XX, o irlandês Samuel Beckett , faria hoje 100 anos se fosse vivo.
Samuel Beckett nasceu a 13 de Abril de 1906, na localidade de Foxrock, perto de Dublin, na Irlanda. Nascido no seio de uma abastada família protestante, não teve uma infância muito feliz e depressa se tornou num jovem infeliz. Inadaptado às regras de uma sociedade que considerava repulsiva, refugia-se na solidão, que faz transparecer em toda a sua obra.
Em 1923 ingressa no Trinity College, de Dublin para fazer a sua formação académica, onde em 1927, se licenciou em línguas modernas, francês e italiano, com uma excelente classificação.
Em 1928, Beckett mudou-se para Paris, onde conheceu James Joyce, e depressa se tornou um seguidor do escritor. Esta amizade será decisiva para a sua carreira literária. Aos 23 anos, escreveu um ensaio em defesa de "Ulisses", a obra-prima de James Joyce, que tinha sido proibida na sua Irlanda natal.
Depois de um estudo sobre Proust, Samuel Beckett, chegou à conclusão que o hábito e a rotina eram o “cancro do tempo”: o tempo, inexorável, ao qual estamos presos. Samuel Beckett, faz questão de nos lembrar, que a cada momento, o fim se aproxima, que a morte espreita, que o jogo irá acabar e nós irremediavelmente, perderemos. Se temos conhecimento disso, então por que continua-mos à espera?
Porquê? Porque devemos saber que enquanto se espera a vida continua e devemos vive-la da melhor forma possível, a cada segundo, compreendendo-a pequena e grandiosa ao mesmo tempo.
Por causa destas conclusões, abandonou o seu cargo no Trinity College e iniciou uma viagem pela Europa, visitando a França, Inglaterra e a Alemanha, onde viveu as mais diversas experiências que depois se traduziram em personagens.
Em 1938 fixou residência em Paris, onde dois acontecimentos o vão marcar para o resto da vida: é gravemente ferido ao ser agredido por um estranho, que lhe desferiu uma facada no peito, e conhece Suzanne Deschevaux-Dusmenoil, o amor da sua vida e com quem se casaria em 1961.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Beckett permaneceu em Paris, onde lutou pela Resistência, até que alguns membros o seu grupo foram presos e Beckett foi forçado a refugiar-se, com a sua mulher na zona conhecida como "França Livre", a parte da França que não tinha sido ocupada, pelas tropas nazistas.

Em 1945, regressou a Paris e iniciou o seu período mais prolífico enquanto escritor. No período cinco anos, entre 1948 e 1953, produziu a sua obra mais significativa. Escreveu "Eleutheria" (1948), "À espera de Godot" (1952), e a trilogia, universalmente aclamada como essencial à compreensão da experiência humana, “Molloy” (1951), “Malone está a Morrer” (1951) e “O Inominável” (1953).
O seu primeiro sucesso, chegou, em 1952 com "À Espera de Godot". Apesar das especulações, a pequena peça onde nada acontece, tornou-se num sucesso repentino e um marco no teatro do absurdo. As personagens desta peça, exemplificam a situação do homem encurralado num mundo de rotina: dois vagabundos, Vladimir e Estrabon, indecisos e inertes, esperam em vão a chegada de um personagem enigmático e misterioso, Godot, símbolo do inalcançável, que de um modo inexplicável, melhorará as suas vidas.
Depois do sucesso de "À Espera de Godot", Samuel Beckett dedica-se a traduzir os seus textos para inglês e volta a escrever nesta língua, construindo, um caso raro na Literatura moderna, uma obra bilingue.
As obras de Beckett traduzem com um grande poder de síntese, toda a condição humana. As questões que são necessárias esclarecer dessa condição são amplamente trabalhadas e poeticamente materializadas. Os personagens das suas obras, reflectem a posição do autor em relação à vida, à morte, aos desejos, aos fracassos e à impossibilidade da felicidade.
O reconhecimento crescente do seu trabalho culminaria com o Prémio Nobel da Literatura, em 1969. Depois disso e apesar de ser aclamado a nível mundial, continuou a escrever até à sua morte, que ocorreu em Paris, a 22 de Dezembro de 1989, vitima de enfisema, contra o qual lutou nos últimos três anos, da sua vida .
publicado por armando ésse às 09:07
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Abril 13 2006

Considerado um dos maiores escritores e dramaturgos do século XX, o irlandês Samuel Beckett , faria hoje 100 anos se fosse vivo.
Samuel Beckett nasceu a 13 de Abril de 1906, na localidade de Foxrock, perto de Dublin, na Irlanda. Nascido no seio de uma abastada família protestante, não teve uma infância muito feliz e depressa se tornou num jovem infeliz. Inadaptado às regras de uma sociedade que considerava repulsiva, refugia-se na solidão, que faz transparecer em toda a sua obra.
Em 1923 ingressa no Trinity College, de Dublin para fazer a sua formação académica, onde em 1927, se licenciou em línguas modernas, francês e italiano, com uma excelente classificação.
Em 1928, Beckett mudou-se para Paris, onde conheceu James Joyce, e depressa se tornou um seguidor do escritor. Esta amizade será decisiva para a sua carreira literária. Aos 23 anos, escreveu um ensaio em defesa de "Ulisses", a obra-prima de James Joyce, que tinha sido proibida na sua Irlanda natal.
Depois de um estudo sobre Proust, Samuel Beckett, chegou à conclusão que o hábito e a rotina eram o “cancro do tempo”: o tempo, inexorável, ao qual estamos presos. Samuel Beckett, faz questão de nos lembrar, que a cada momento, o fim se aproxima, que a morte espreita, que o jogo irá acabar e nós irremediavelmente, perderemos. Se temos conhecimento disso, então por que continua-mos à espera?
Porquê? Porque devemos saber que enquanto se espera a vida continua e devemos vive-la da melhor forma possível, a cada segundo, compreendendo-a pequena e grandiosa ao mesmo tempo.
Por causa destas conclusões, abandonou o seu cargo no Trinity College e iniciou uma viagem pela Europa, visitando a França, Inglaterra e a Alemanha, onde viveu as mais diversas experiências que depois se traduziram em personagens.
Em 1938 fixou residência em Paris, onde dois acontecimentos o vão marcar para o resto da vida: é gravemente ferido ao ser agredido por um estranho, que lhe desferiu uma facada no peito, e conhece Suzanne Deschevaux-Dusmenoil, o amor da sua vida e com quem se casaria em 1961.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Beckett permaneceu em Paris, onde lutou pela Resistência, até que alguns membros o seu grupo foram presos e Beckett foi forçado a refugiar-se, com a sua mulher na zona conhecida como "França Livre", a parte da França que não tinha sido ocupada, pelas tropas nazistas.

Em 1945, regressou a Paris e iniciou o seu período mais prolífico enquanto escritor. No período cinco anos, entre 1948 e 1953, produziu a sua obra mais significativa. Escreveu "Eleutheria" (1948), "À espera de Godot" (1952), e a trilogia, universalmente aclamada como essencial à compreensão da experiência humana, “Molloy” (1951), “Malone está a Morrer” (1951) e “O Inominável” (1953).
O seu primeiro sucesso, chegou, em 1952 com "À Espera de Godot". Apesar das especulações, a pequena peça onde nada acontece, tornou-se num sucesso repentino e um marco no teatro do absurdo. As personagens desta peça, exemplificam a situação do homem encurralado num mundo de rotina: dois vagabundos, Vladimir e Estrabon, indecisos e inertes, esperam em vão a chegada de um personagem enigmático e misterioso, Godot, símbolo do inalcançável, que de um modo inexplicável, melhorará as suas vidas.
Depois do sucesso de "À Espera de Godot", Samuel Beckett dedica-se a traduzir os seus textos para inglês e volta a escrever nesta língua, construindo, um caso raro na Literatura moderna, uma obra bilingue.
As obras de Beckett traduzem com um grande poder de síntese, toda a condição humana. As questões que são necessárias esclarecer dessa condição são amplamente trabalhadas e poeticamente materializadas. Os personagens das suas obras, reflectem a posição do autor em relação à vida, à morte, aos desejos, aos fracassos e à impossibilidade da felicidade.
O reconhecimento crescente do seu trabalho culminaria com o Prémio Nobel da Literatura, em 1969. Depois disso e apesar de ser aclamado a nível mundial, continuou a escrever até à sua morte, que ocorreu em Paris, a 22 de Dezembro de 1989, vitima de enfisema, contra o qual lutou nos últimos três anos, da sua vida .
publicado por armando ésse às 09:07
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Abril 12 2006

A Terra é azul!
Uma expressão banalíssima, no entanto, há precisamente 45 anos, era uma novidade planetária!
No dia 12 de Abril de 1961, Yuri Gagarine ficaria conhecido na História como o primeiro ser humano a viajar no espaço, a bordo do Vostok 1. Iria viver um sonho inspirado sessenta anos antes pelo cientista russo Constantin Tsiolkovsky, que no início do século XX já tinha arquitectado a base da astronáutica moderna.
Eram 7h07, no Cosmódromo de Baikonur no Casaquistão, quando a nave Vostok 1, descolou para o seu primeiro e único voo espacial. Pouco depois da descolagem, a 327 quilómetros de altura, Yuri Gagarine, por rádio, anunciava a todos os humanos a cor do nosso Planeta:
A Terra é azul!
Foi a exclamação do primeiro homem a ver o nosso planeta do espaço.
Foi um pequeno voo de 108 minutos, o suficiente para que Gagarine se tornasse, aos 27 anos num herói mundial.
Às 9.20 daquele 12 de Abril de 1961, Gagarine aterrou de pára-quedas, junto ao Volga, 700 kms a Sudeste de Moscovo, na aldeia de Saratov, uma camponesa e a sua filha não ganharam para o susto quando apareceu um ser vestido de cor-de-laranja e de escafandro.
-Vens do espaço?
Perguntou a anciã.
-Certamente sim, disse Gagarine, que se apressou a acrescentar, não se alarme, sou soviético.
Tratava-se do primeiro cosmonauta, acabadinho de chegar do espaço, onde esteve durante meia hora, tendo sido forçado a ejectar-se do Vostok 1, a uma altitude de sete mil metros.
Até ao desmoronar da União Soviética esta pequena história dentro da História foi ocultada. Seja pelo caricato da situação seja pelo facto de ter temido a desclassificação do feito por parte da Federação Internacional de Aeronáutica - um recorde só é validado quando tripulante e nave aterram juntos - o certo é que Moscovo ocultou os pormenores do regresso atribulado de Gagarine.
Quando o Vostok 1 estava a sobrevoar o continente africano tudo começou a correr mal. Na altura em que a aproximação ao planeta deveria começar, a cápsula não se soltou do módulo. Gagarine passou uns minutos agitados, para não dizer mais, até que a separação teve lugar, dez minutos depois do planeado. O jovem cosmonauta não teve tempo para retemperar forças: a sete mil metros de altitude a escotilha cede e vê-se obrigado a fazer o restante percurso de pára-quedas.

Quando chegou ao solo foi à procura de um telefone:
“-Está?
-É do Cosmódromo de Baikonur?
-Daqui fala Yuri Gagarine, na região de Saratov. É só para comunicar que já estou na Terra».
Podia ser o final de uma anedota, mas não é, foi através de um simples telefonema como este , hoje parece absolutamente incrível, que as autoridades soviéticas tomaram conhecimento do fim do primeiro voo espacial.
Durante a sua curta viagem, Yuri Alekseyevich Gagarine subiu dois postos na hierarquia militar, sendo promovido de tenente a major.
Yuri Alekseyevich Gagarine, nasceu no dia 9 de Março de 1934, em Klushino, mais tarde rebaptizada com o seu apelido, filho de um carpinteiro.
Quando tinha 7 anos, os alemães invadiram a União Soviética, o pai alistou-se no Exército Vermelho enquanto a sua mãe, ele, o irmão mais velho e a irmã se refugiavam num local mais seguro.
Já em plena Guerra Fria, ingressa numa escola, onde se forma em metalurgia, até ser chamado pela Força Aérea, em 1955.
Se é certo que o baptismo de fogo esteve longe de correr da melhor maneira, a partir daí Gagarine começou a evidenciar-se como um dos alunos mais valorosos. Graduou-se em 1957, pouco depois de Moscovo ter surpreendido o mundo com o lançamento do «Sputnik»,no dia 4 de Outubro de 1957, o primeiro satélite que o Homem colocou em órbita, tendo desencadeado a corrida espacial.
Em 3 Novembro, ainda longe de se imaginar no espaço, Gagarine casa-se com Valya, no dia em que a famosa cadela Laika foi colocada em órbita, a bordo do «Sputnik 2». Após a sua formação, foi colocado na Base Aérea de Murmansk, junto da fronteira com a Noruega, onde devido ao clima, voar era um risco sempre presente.
Dois anos depois, a Força Aérea pede voluntários, numa altura em que a União Soviética explora a Lua, com o envio das sondas «Lunik». Dos 3500 inscritos, foram escolhidos seis. Além de Gagarine, faziam parte dos eleitos Gherman Titov (que foi o primeiro cosmonauta a perfazer mais do que uma órbita, a bordo do Vostok 2), Valeri Bykovsky, Grigory Nelyubov, Adrian Nikolaev e Pavel Popovich.
O chefe do projecto espacial, Sergei Korolev, numa desconcertante atitude democrática, pediu certa vez aos seis futuros cosmonautas para elegerem quem devia fazer as honras do voo inaugural. «Tovarich» Gagarine recolheu três votos.
Dois dias depois, da mítica viagem, a 14 de Abril de 1961, a Praça Vermelha foi palco de uma recepção apoteótica ao “Magalhães do Espaço”, à qual não faltou sequer o líder da União Soviética, Nikita Krushtchev.
As aventuras espaciais do rapaz que ia ser metalúrgico não voltaram a repetir-se. Com a sua figura imortalizada em estátuas e selos, o nome na toponímia e o feito nas páginas de História, Gagarine regressou à sua condição de piloto da Força Aérea. Contudo, não aguentou o peso da fama tornando-se alcoólico.

Em 1962 foi eleito/nomeado deputado ao Soviete Supremo, tendo depois voltado para a “Cidade das Estrelas”, a base soviética de pesquisas e ensaios dos voos espaciais. Em 1967 foi escolhido para o lançamento do Soyuz, contudo este projecto foi abortado, após o acidente com o Soyuz que vitimou Vladimir Komarov.
E foi no «cockpit» de um caça MIG-15, em 27 Março de 1968, que o primeiro homem a orbitar a Terra morreu, durante um voo de rotina junto a Kirzhach. Há várias teorias sobre a causa da trágica morte de Gagarine, que vão desde o assassinato por parte do KGB, passando pela teoria que estava embriagado aos comandos do Mig 15, e finalmente, a teoria mais provável, da despressurização da cabine, que levou a tripulação, devido à falta de oxigénio, a perder o controle do avião e a despenhar-se.
Tinha 34 anos.

publicado por armando ésse às 08:51
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Abril 12 2006

A Terra é azul!
Uma expressão banalíssima, no entanto, há precisamente 45 anos, era uma novidade planetária!
No dia 12 de Abril de 1961, Yuri Gagarine ficaria conhecido na História como o primeiro ser humano a viajar no espaço, a bordo do Vostok 1. Iria viver um sonho inspirado sessenta anos antes pelo cientista russo Constantin Tsiolkovsky, que no início do século XX já tinha arquitectado a base da astronáutica moderna.
Eram 7h07, no Cosmódromo de Baikonur no Casaquistão, quando a nave Vostok 1, descolou para o seu primeiro e único voo espacial. Pouco depois da descolagem, a 327 quilómetros de altura, Yuri Gagarine, por rádio, anunciava a todos os humanos a cor do nosso Planeta:
A Terra é azul!
Foi a exclamação do primeiro homem a ver o nosso planeta do espaço.
Foi um pequeno voo de 108 minutos, o suficiente para que Gagarine se tornasse, aos 27 anos num herói mundial.
Às 9.20 daquele 12 de Abril de 1961, Gagarine aterrou de pára-quedas, junto ao Volga, 700 kms a Sudeste de Moscovo, na aldeia de Saratov, uma camponesa e a sua filha não ganharam para o susto quando apareceu um ser vestido de cor-de-laranja e de escafandro.
-Vens do espaço?
Perguntou a anciã.
-Certamente sim, disse Gagarine, que se apressou a acrescentar, não se alarme, sou soviético.
Tratava-se do primeiro cosmonauta, acabadinho de chegar do espaço, onde esteve durante meia hora, tendo sido forçado a ejectar-se do Vostok 1, a uma altitude de sete mil metros.
Até ao desmoronar da União Soviética esta pequena história dentro da História foi ocultada. Seja pelo caricato da situação seja pelo facto de ter temido a desclassificação do feito por parte da Federação Internacional de Aeronáutica - um recorde só é validado quando tripulante e nave aterram juntos - o certo é que Moscovo ocultou os pormenores do regresso atribulado de Gagarine.
Quando o Vostok 1 estava a sobrevoar o continente africano tudo começou a correr mal. Na altura em que a aproximação ao planeta deveria começar, a cápsula não se soltou do módulo. Gagarine passou uns minutos agitados, para não dizer mais, até que a separação teve lugar, dez minutos depois do planeado. O jovem cosmonauta não teve tempo para retemperar forças: a sete mil metros de altitude a escotilha cede e vê-se obrigado a fazer o restante percurso de pára-quedas.

Quando chegou ao solo foi à procura de um telefone:
“-Está?
-É do Cosmódromo de Baikonur?
-Daqui fala Yuri Gagarine, na região de Saratov. É só para comunicar que já estou na Terra».
Podia ser o final de uma anedota, mas não é, foi através de um simples telefonema como este , hoje parece absolutamente incrível, que as autoridades soviéticas tomaram conhecimento do fim do primeiro voo espacial.
Durante a sua curta viagem, Yuri Alekseyevich Gagarine subiu dois postos na hierarquia militar, sendo promovido de tenente a major.
Yuri Alekseyevich Gagarine, nasceu no dia 9 de Março de 1934, em Klushino, mais tarde rebaptizada com o seu apelido, filho de um carpinteiro.
Quando tinha 7 anos, os alemães invadiram a União Soviética, o pai alistou-se no Exército Vermelho enquanto a sua mãe, ele, o irmão mais velho e a irmã se refugiavam num local mais seguro.
Já em plena Guerra Fria, ingressa numa escola, onde se forma em metalurgia, até ser chamado pela Força Aérea, em 1955.
Se é certo que o baptismo de fogo esteve longe de correr da melhor maneira, a partir daí Gagarine começou a evidenciar-se como um dos alunos mais valorosos. Graduou-se em 1957, pouco depois de Moscovo ter surpreendido o mundo com o lançamento do «Sputnik»,no dia 4 de Outubro de 1957, o primeiro satélite que o Homem colocou em órbita, tendo desencadeado a corrida espacial.
Em 3 Novembro, ainda longe de se imaginar no espaço, Gagarine casa-se com Valya, no dia em que a famosa cadela Laika foi colocada em órbita, a bordo do «Sputnik 2». Após a sua formação, foi colocado na Base Aérea de Murmansk, junto da fronteira com a Noruega, onde devido ao clima, voar era um risco sempre presente.
Dois anos depois, a Força Aérea pede voluntários, numa altura em que a União Soviética explora a Lua, com o envio das sondas «Lunik». Dos 3500 inscritos, foram escolhidos seis. Além de Gagarine, faziam parte dos eleitos Gherman Titov (que foi o primeiro cosmonauta a perfazer mais do que uma órbita, a bordo do Vostok 2), Valeri Bykovsky, Grigory Nelyubov, Adrian Nikolaev e Pavel Popovich.
O chefe do projecto espacial, Sergei Korolev, numa desconcertante atitude democrática, pediu certa vez aos seis futuros cosmonautas para elegerem quem devia fazer as honras do voo inaugural. «Tovarich» Gagarine recolheu três votos.
Dois dias depois, da mítica viagem, a 14 de Abril de 1961, a Praça Vermelha foi palco de uma recepção apoteótica ao “Magalhães do Espaço”, à qual não faltou sequer o líder da União Soviética, Nikita Krushtchev.
As aventuras espaciais do rapaz que ia ser metalúrgico não voltaram a repetir-se. Com a sua figura imortalizada em estátuas e selos, o nome na toponímia e o feito nas páginas de História, Gagarine regressou à sua condição de piloto da Força Aérea. Contudo, não aguentou o peso da fama tornando-se alcoólico.

Em 1962 foi eleito/nomeado deputado ao Soviete Supremo, tendo depois voltado para a “Cidade das Estrelas”, a base soviética de pesquisas e ensaios dos voos espaciais. Em 1967 foi escolhido para o lançamento do Soyuz, contudo este projecto foi abortado, após o acidente com o Soyuz que vitimou Vladimir Komarov.
E foi no «cockpit» de um caça MIG-15, em 27 Março de 1968, que o primeiro homem a orbitar a Terra morreu, durante um voo de rotina junto a Kirzhach. Há várias teorias sobre a causa da trágica morte de Gagarine, que vão desde o assassinato por parte do KGB, passando pela teoria que estava embriagado aos comandos do Mig 15, e finalmente, a teoria mais provável, da despressurização da cabine, que levou a tripulação, devido à falta de oxigénio, a perder o controle do avião e a despenhar-se.
Tinha 34 anos.

publicado por armando ésse às 08:51
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