A FÁBRICA

Maio 02 2006

Uma semana depois da comemoração dos 20 anos de Tchernobil, apeteceu-me tentar ficcionar como seriam os dias após uma guerra nuclear. Este texto é uma homenagem ao Brasil e aos brasileiros, que em cada vez maior número visitam o nosso blog. É também uma ocasião para homenagear Marcos Pontes. O primeiro a exprimir em português a sensação de ter chegado à última fronteira. Este feito revela o potencial do Brasil.
As bombas começaram a cair há uma semana. As comunicações são quase inexistentes e foram solicitados voluntários para prestar o auxílio humanitário possível nestas circunstâncias. Eu ofereci-me. Ás vezes temos que fazer este tipo de coisas para nos sentirmos vivos. Estive no espaço. A percepção da condição Humana, da sua fragilidade, ganha lá uma dimensão colossal. O nosso campo de visão na Terra é um horizonte cheio de vida, permutando entre um fundo negro, polvilhado de estrelas, e um azul com o imenso Sol. No espaço, é uma imensidão de negro e um Planeta azul, agarrado a nada, literalmente suspenso no vazio, onde todos no entrecruzamos. A vida existe apenas porque nós o sabemos. O universo visível adquire uma grandeza que apenas é perceptível através da experiência de olhar para a Terra daquela perspectiva, o que, por sua vez, reforça a sua posição de excepcionalidade. A nossa atitude nunca mais é a mesma. Nem sequer é o cliché de darmos importância ás coisas que realmente interessam. Tudo interessa. Viver é que é importante. Cada um à sua maneira com respeito pelos outros e pelo privilégio da consciência de estar vivo.
Quando acontece uma coisa destas não dá para compreender o porquê. Toda a gente conhecia as consequências. Do ataque e do contra-ataque. Do Inverno nuclear. Não interessa quem tem razão todos vão morrer. Todos vamos morrer. Se um dia alguma espécie com inteligência suficiente estudar a nossa civilização, também não vai compreender. Como pode uma espécie com tanto potencial, ter uma capacidade criativa que apenas é igualada pela sua capacidade para se autodestruir? A criação nunca prevalece sobre a destruição. Não nestes casos. Onde todos os que o poderiam fazer são também destruídos. Todas as marcas vivas de uma existência que deveria florescer até ao infinito serão obliterados.
Decidimos entrar por Portugal. Sempre gostei do País. Não pela coisa do País irmão, mas por aquilo que nos une. A língua. Quando nos dói verdadeiramente a alma, não importa quão fluentemente falamos outro idioma, exprimir a dor na sua totalidade e a sua compreensão só é possível quando a língua materna, aquela que nos acompanhou no desenvolvimento dos mecanismos do cérebro responsáveis pelos sentimentos e nos dá lógica aos pensamentos, é comum. Talvez mais importante que isso é que a consciência também se desenvolveu em português. É se há momento para sofrer e partilhar é este. A ressaca do holocausto nuclear.
Alguém apertou o botão. Em minutos, Mísseis balísticos lançados desde submarinos começaram a atingir aeroportos. Pouco tempo depois, Mísseis balísticos intercontinentais atingiram bases militares, centros de comando e a infra-estrutura industrial. Algumas horas mais tarde, chegam os bombardeiros, que atacaram os alvos não atingidos pelos mísseis. O hemisfério norte ficou devastado.
Dia 1
O barco chegou à costa portuguesa e lançou a âncora. Dirigimo-nos a terra nos botes. À medida que nos aproximávamos a destruição foi ganhando forma. Parecia que alguém tinha andado a brincar com legos. Prédios em pé, quase nenhum, o cheiro nauseabundo foi aumentado também. Não se via vivalma.
Chegamos a terra. A morte reina sem limites. Totalmente aleatória com cadáveres espalhados por todo o lado, um cenário dantesco. Alguém comenta que estes tiveram sorte ao morrer nos primeiros ataques. Provavelmente tem razão. Nestas áreas os níveis de radiação são tão elevados, que a morte como consequência dos seus efeitos é inevitável, lenta e profundamente dolorosa.
Somos enviados para o hospital mais próximo. Pelo caminho, ninguém vivo. O hospital era um amontoado de pedras, com algumas alas ainda de pé. Uma delas era a maternidade. Um quadro horrível, um parto que ficou a meio, apenas se via a cabeça do bebé nas pernas da mãe morta. A equipa médica também. Vómitos ao meu lado. As lágrimas afloram-me aos olhos. A imagem é simbólica. A espécie humana, acabada de nascer para o universo, perdeu a vida ainda antes de se compreender. A zona das incubadoras, todos fugiram e no berçário também. Felizmente tudo estava tão negro que era impossível distinguir as formas com olhares de relance e apressados. Não existia outra cor que não o preto em toda a extensão do nosso olhar. Era como se tudo estivesse de luto por si próprio.
Um dos meus parceiros a chorar diz-me – Marcos, a minha filha perguntou-me o que seria de nós. Não consegui articular nada e apenas senti uma imensa vergonha por fazer parte da geração que destruiu o futuro.
Tentar descrever este cenário era um exercício inútil. Neste caso, uma imagem vale muito mais que mil palavras.
Dia 2
À medida que nos afastamos das zonas de impacto, começaram a surgir os primeiros sobreviventes, cuja designação rapidamente se alterará. A gravidade da sua situação não lhes augura grande futuro. Os dramas humanos repetem-se a cada metro. Os médicos fazem o que podem, mas não podem acudir a todos. Os corpos como que se dissolvem sob o feito da radiação. As feições desfazem-se como que sob a pressão de uma força desconhecida, é como se cada um dos doentes naqueles momentos fosse só sofrimento, fazendo emergir o sentimento de impotência e o desespero. As florestas ainda ardem. O fumo em algumas zonas torna o ar ainda mais negro, já de si pouco respirável. Algumas figuras ainda de pé, cambaleiam em frente aos nossos olhos, aparentemente loucos sem uma direcção definida. Limitam-se a andar de um lado para o outro com um olhar esgazeado, colocado no horizonte, o olhar a abarca tudo mas não vê nada.
Dia 3
O caos e anarquia tomaram conta das cidades menos afectadas. O regresso à idade da pedra, o fim da civilização. Os motins que se viram há alguns anos nas televisões, são manifestações de pacifistas comparados com isto. Hiroshima e Nagasaki ensaios de laboratório. A poeira já cobre uma parte significativa do céu e a temperatura começa a descer. Não tardará a atingir níveis que farão congelar a água. Nós somos 70% de água. Se alguém ficar cá, imaginem como será o seu fim. A chuva radioactiva acabará com tudo antes. Os incêndios ainda são visíveis por todo o lado e os gases tóxicos contribuem para a matança.
Dia 4
À medida que penetramos na Europa, observam-se as deslocações de refugiados para sul. A suprema ironia para os países ricos. Nas colunas de pessoas a cada segundo cai uma ou morta ou ferida para lá do recuperável. Ninguém olha para trás, a indiferença instalou-se. Os laços familiares, de solidariedade a compaixão, desapareceram em face de tamanha tragédia, fazendo lembrar um bando de gnus perante os predadores que se limitam a tentar individualmente sobreviver.
Espanha, terra de Picasso e Velasques. Guernica e As Meninas, considerado por muitos o mais espantoso quadro alguma vez pintado. O do Picasso que é símbolo da Paz. Representa o bombardeamento na segunda guerra à cidade com o mesmo nome. Dois dos maiores ícones da arte humana desapareceram no fogo do inferno. Todos nos tornamos iconoclastas da criatividade e da imaginação.
Dia 5
Paris. Acercamo-nos do Louvre. Destruído quase na totalidade. Encerrava a essência humanidade nas obras de arte ali expostas. Ninguém teve coragem para entrar. A torre Eiffel vergada ao poder das bombas como que de joelhos subjugado por um poder insuperável. Norte Dame aos bocados no rio Sena. A escuridão que se via, não era só a poeira que impedia a luz solar de penetrar. A cidade luz apagou-se. Se o planeta fosse uma entidade viva, era aqui que estaria alojada a alma do mundo. Esta escuridão é como se representa-se a sua morte. O pensador de Rodin derretido pelo calor como que a dizer que a consciência e o pensamento estão condenados a resistir intemporalmente como uma marca fossilizada do que antes foi grande. O beijo com os amantes partidos em pedaços. O fim do amor e do desejo. A humanidade vai definhar. Os distúrbios psíquicos perante catástrofe são já evidentes. Já ouvimos falar em canibalismo. Não há alimentos para todos. Não tardarão as doenças contagiosas na forma de epidemias e pandemias.
Dia 6
Roma. Vaticano. As dúvidas da divindade assolam-me. Como pode um Deus colocar à disposição do livro arbítrio dos seus filhos a capacidade de se auto destruir? De aniquilar a Sua própria criação? Nenhum ser humano no seu juízo perfeito coloca uma arma ao alcance dos seus filhos, sabendo quais as possíveis consequências, quanto mais uma entidade que é supostamente omnipotente e omnisciente. A capela de S. Pedro. Construída para incutir humildade aos visitantes. Um amontoado de pedras que noutras alturas provocaria o gáudio de uns quantos fundamentalistas. Só que agora, católicos, muçulmanos, judeus e outros que tais, estão de braço dado até o fim da sua existência. Não restará ninguém para manter a luta pela prevalência religiosa que, diga-se de passagem, também era ilógica. O interesse das religiões deveria confinar-se ao reforço do desenvolvimento de uma ética existencial comum na defesa da Vida. É como se espécie humana estivesse dividida em raças, não com definição biológica, mas com fundamentação religiosa. Isto não tem pés nem cabeça. Como cada grupo achava sempre que tinha razão, não reconhecendo qualquer mérito aos outros, alimentava os ódios e resultou nisto. Capela de Cistina. Miguel Ângelo representou a criação divina com o toque divino em Adão. Agora a mão de Deus aponta para as pedras.
Dia 7
Paramos, ou descansámos ao sétimo dia. Numa semana a quantidade de luz diminuiu drasticamente. Falta água, comida, combustíveis. As culturas foram quase totalmente destruídas. A temperatura desce cada vez mais. Quando chegar abaixo do ponto de fusão da água, os oceanos começarão a congelar, o fitoplâncton morre e interrompe-se a cadeia alimentar. O fim está próximo.

Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 09:12

Maio 02 2006

Uma semana depois da comemoração dos 20 anos de Tchernobil, apeteceu-me tentar ficcionar como seriam os dias após uma guerra nuclear. Este texto é uma homenagem ao Brasil e aos brasileiros, que em cada vez maior número visitam o nosso blog. É também uma ocasião para homenagear Marcos Pontes. O primeiro a exprimir em português a sensação de ter chegado à última fronteira. Este feito revela o potencial do Brasil.
As bombas começaram a cair há uma semana. As comunicações são quase inexistentes e foram solicitados voluntários para prestar o auxílio humanitário possível nestas circunstâncias. Eu ofereci-me. Ás vezes temos que fazer este tipo de coisas para nos sentirmos vivos. Estive no espaço. A percepção da condição Humana, da sua fragilidade, ganha lá uma dimensão colossal. O nosso campo de visão na Terra é um horizonte cheio de vida, permutando entre um fundo negro, polvilhado de estrelas, e um azul com o imenso Sol. No espaço, é uma imensidão de negro e um Planeta azul, agarrado a nada, literalmente suspenso no vazio, onde todos no entrecruzamos. A vida existe apenas porque nós o sabemos. O universo visível adquire uma grandeza que apenas é perceptível através da experiência de olhar para a Terra daquela perspectiva, o que, por sua vez, reforça a sua posição de excepcionalidade. A nossa atitude nunca mais é a mesma. Nem sequer é o cliché de darmos importância ás coisas que realmente interessam. Tudo interessa. Viver é que é importante. Cada um à sua maneira com respeito pelos outros e pelo privilégio da consciência de estar vivo.
Quando acontece uma coisa destas não dá para compreender o porquê. Toda a gente conhecia as consequências. Do ataque e do contra-ataque. Do Inverno nuclear. Não interessa quem tem razão todos vão morrer. Todos vamos morrer. Se um dia alguma espécie com inteligência suficiente estudar a nossa civilização, também não vai compreender. Como pode uma espécie com tanto potencial, ter uma capacidade criativa que apenas é igualada pela sua capacidade para se autodestruir? A criação nunca prevalece sobre a destruição. Não nestes casos. Onde todos os que o poderiam fazer são também destruídos. Todas as marcas vivas de uma existência que deveria florescer até ao infinito serão obliterados.
Decidimos entrar por Portugal. Sempre gostei do País. Não pela coisa do País irmão, mas por aquilo que nos une. A língua. Quando nos dói verdadeiramente a alma, não importa quão fluentemente falamos outro idioma, exprimir a dor na sua totalidade e a sua compreensão só é possível quando a língua materna, aquela que nos acompanhou no desenvolvimento dos mecanismos do cérebro responsáveis pelos sentimentos e nos dá lógica aos pensamentos, é comum. Talvez mais importante que isso é que a consciência também se desenvolveu em português. É se há momento para sofrer e partilhar é este. A ressaca do holocausto nuclear.
Alguém apertou o botão. Em minutos, Mísseis balísticos lançados desde submarinos começaram a atingir aeroportos. Pouco tempo depois, Mísseis balísticos intercontinentais atingiram bases militares, centros de comando e a infra-estrutura industrial. Algumas horas mais tarde, chegam os bombardeiros, que atacaram os alvos não atingidos pelos mísseis. O hemisfério norte ficou devastado.
Dia 1
O barco chegou à costa portuguesa e lançou a âncora. Dirigimo-nos a terra nos botes. À medida que nos aproximávamos a destruição foi ganhando forma. Parecia que alguém tinha andado a brincar com legos. Prédios em pé, quase nenhum, o cheiro nauseabundo foi aumentado também. Não se via vivalma.
Chegamos a terra. A morte reina sem limites. Totalmente aleatória com cadáveres espalhados por todo o lado, um cenário dantesco. Alguém comenta que estes tiveram sorte ao morrer nos primeiros ataques. Provavelmente tem razão. Nestas áreas os níveis de radiação são tão elevados, que a morte como consequência dos seus efeitos é inevitável, lenta e profundamente dolorosa.
Somos enviados para o hospital mais próximo. Pelo caminho, ninguém vivo. O hospital era um amontoado de pedras, com algumas alas ainda de pé. Uma delas era a maternidade. Um quadro horrível, um parto que ficou a meio, apenas se via a cabeça do bebé nas pernas da mãe morta. A equipa médica também. Vómitos ao meu lado. As lágrimas afloram-me aos olhos. A imagem é simbólica. A espécie humana, acabada de nascer para o universo, perdeu a vida ainda antes de se compreender. A zona das incubadoras, todos fugiram e no berçário também. Felizmente tudo estava tão negro que era impossível distinguir as formas com olhares de relance e apressados. Não existia outra cor que não o preto em toda a extensão do nosso olhar. Era como se tudo estivesse de luto por si próprio.
Um dos meus parceiros a chorar diz-me – Marcos, a minha filha perguntou-me o que seria de nós. Não consegui articular nada e apenas senti uma imensa vergonha por fazer parte da geração que destruiu o futuro.
Tentar descrever este cenário era um exercício inútil. Neste caso, uma imagem vale muito mais que mil palavras.
Dia 2
À medida que nos afastamos das zonas de impacto, começaram a surgir os primeiros sobreviventes, cuja designação rapidamente se alterará. A gravidade da sua situação não lhes augura grande futuro. Os dramas humanos repetem-se a cada metro. Os médicos fazem o que podem, mas não podem acudir a todos. Os corpos como que se dissolvem sob o feito da radiação. As feições desfazem-se como que sob a pressão de uma força desconhecida, é como se cada um dos doentes naqueles momentos fosse só sofrimento, fazendo emergir o sentimento de impotência e o desespero. As florestas ainda ardem. O fumo em algumas zonas torna o ar ainda mais negro, já de si pouco respirável. Algumas figuras ainda de pé, cambaleiam em frente aos nossos olhos, aparentemente loucos sem uma direcção definida. Limitam-se a andar de um lado para o outro com um olhar esgazeado, colocado no horizonte, o olhar a abarca tudo mas não vê nada.
Dia 3
O caos e anarquia tomaram conta das cidades menos afectadas. O regresso à idade da pedra, o fim da civilização. Os motins que se viram há alguns anos nas televisões, são manifestações de pacifistas comparados com isto. Hiroshima e Nagasaki ensaios de laboratório. A poeira já cobre uma parte significativa do céu e a temperatura começa a descer. Não tardará a atingir níveis que farão congelar a água. Nós somos 70% de água. Se alguém ficar cá, imaginem como será o seu fim. A chuva radioactiva acabará com tudo antes. Os incêndios ainda são visíveis por todo o lado e os gases tóxicos contribuem para a matança.
Dia 4
À medida que penetramos na Europa, observam-se as deslocações de refugiados para sul. A suprema ironia para os países ricos. Nas colunas de pessoas a cada segundo cai uma ou morta ou ferida para lá do recuperável. Ninguém olha para trás, a indiferença instalou-se. Os laços familiares, de solidariedade a compaixão, desapareceram em face de tamanha tragédia, fazendo lembrar um bando de gnus perante os predadores que se limitam a tentar individualmente sobreviver.
Espanha, terra de Picasso e Velasques. Guernica e As Meninas, considerado por muitos o mais espantoso quadro alguma vez pintado. O do Picasso que é símbolo da Paz. Representa o bombardeamento na segunda guerra à cidade com o mesmo nome. Dois dos maiores ícones da arte humana desapareceram no fogo do inferno. Todos nos tornamos iconoclastas da criatividade e da imaginação.
Dia 5
Paris. Acercamo-nos do Louvre. Destruído quase na totalidade. Encerrava a essência humanidade nas obras de arte ali expostas. Ninguém teve coragem para entrar. A torre Eiffel vergada ao poder das bombas como que de joelhos subjugado por um poder insuperável. Norte Dame aos bocados no rio Sena. A escuridão que se via, não era só a poeira que impedia a luz solar de penetrar. A cidade luz apagou-se. Se o planeta fosse uma entidade viva, era aqui que estaria alojada a alma do mundo. Esta escuridão é como se representa-se a sua morte. O pensador de Rodin derretido pelo calor como que a dizer que a consciência e o pensamento estão condenados a resistir intemporalmente como uma marca fossilizada do que antes foi grande. O beijo com os amantes partidos em pedaços. O fim do amor e do desejo. A humanidade vai definhar. Os distúrbios psíquicos perante catástrofe são já evidentes. Já ouvimos falar em canibalismo. Não há alimentos para todos. Não tardarão as doenças contagiosas na forma de epidemias e pandemias.
Dia 6
Roma. Vaticano. As dúvidas da divindade assolam-me. Como pode um Deus colocar à disposição do livro arbítrio dos seus filhos a capacidade de se auto destruir? De aniquilar a Sua própria criação? Nenhum ser humano no seu juízo perfeito coloca uma arma ao alcance dos seus filhos, sabendo quais as possíveis consequências, quanto mais uma entidade que é supostamente omnipotente e omnisciente. A capela de S. Pedro. Construída para incutir humildade aos visitantes. Um amontoado de pedras que noutras alturas provocaria o gáudio de uns quantos fundamentalistas. Só que agora, católicos, muçulmanos, judeus e outros que tais, estão de braço dado até o fim da sua existência. Não restará ninguém para manter a luta pela prevalência religiosa que, diga-se de passagem, também era ilógica. O interesse das religiões deveria confinar-se ao reforço do desenvolvimento de uma ética existencial comum na defesa da Vida. É como se espécie humana estivesse dividida em raças, não com definição biológica, mas com fundamentação religiosa. Isto não tem pés nem cabeça. Como cada grupo achava sempre que tinha razão, não reconhecendo qualquer mérito aos outros, alimentava os ódios e resultou nisto. Capela de Cistina. Miguel Ângelo representou a criação divina com o toque divino em Adão. Agora a mão de Deus aponta para as pedras.
Dia 7
Paramos, ou descansámos ao sétimo dia. Numa semana a quantidade de luz diminuiu drasticamente. Falta água, comida, combustíveis. As culturas foram quase totalmente destruídas. A temperatura desce cada vez mais. Quando chegar abaixo do ponto de fusão da água, os oceanos começarão a congelar, o fitoplâncton morre e interrompe-se a cadeia alimentar. O fim está próximo.

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