A FÁBRICA

Maio 16 2006

Em semana de estreia do filme “O Código Da Vinci”, e depois de toda a polémica que surgiu com a publicação do livro, o estranho fenómeno mantém-se. Se atentarmos às reacções de alguns líderes religiosos, aparentemente desesperados com os possíveis efeitos do movimento de questionação promovido por ambas as obras, agem de forma irreflectida sem perceberem que, por absurdo que pareça, são eles próprios que o publicitam e instigam com a sua atitude.
Antes de mais refira-se que eu li o livro e se tudo correr bem vou ver o filme. Todavia, considero muito relativa a sua importância. Para sustentar esta posição, que procurarei fundamentar, avaliando o impacto do livro em duas vertentes, o seu valor enquanto obra literária e a sua importância sociológica, nomeadamente no que diz respeito ás questões que levanta do ponto de vista religioso.
Apesar de serem indissociáveis, pode fazer-se uma análise individual de cada uma. Em relação à questão religiosa, é importante referir que qualquer discussão tem que partir da dicotomia inerente à crença ou ausência dela. Assim, não há lugar para ambivalências, uma vez que tudo se resume a sentimentos, e a lógica não tem aqui qualquer lugar. Ou se acredita ou não. A principal novidade apresentada e que originou toda esta polémica, a questão do casamento de Jesus, já estava no mercado há muito tempo. Só que, na falta de prova histórica, esta interpretação da história pretendente a teoria tem tanto valor como qualquer outra do género, ou seja, nenhum.
É sabido que todos, os crentes e os não crentes, por vezes, se envolvem em discussões acerca da legitimidade de cada uma das posições, tentando convencer a outra facção que a sua é a melhor. Nunca ninguém vence porque, e esta uma verdade irrefutável, estes caminhos em busca da verdade, são caminhos de solidão. Se a dúvida existe, apenas olhando profundamente para o interior de cada um ela se desvanece. Partindo deste pressuposto e imaginado uma discussão deste género, onde um dos envolvidos atira - É tudo mentira, Cristo até foi casado. Se não acreditam, leiam “ O código Da Vinci”. Para além de uma valente gargalhada, uma discussão sobre esta temática onde è esgrimido um argumento destes e se, de alguma forma, este representa uma vantagem argumentativa, é suficientemente revelador da importância da discussão. Parece-me, por isso, que com base neste livro, quem tinha fé vai continuar a tê-la e quem não tinha não viu as suas razões reforçadas.
Suponhamos então, num exercício meramente académico, que Cristo casou. Se ele realmente for filho de Deus, será que isto o diminui em alguma coisa? Se atentarmos á oração do Credo, que em determinada altura diz “E se fez Homem”, não será esta uma forma de o fazer completamente? Se assim foi, parece-me esta apenas uma atitude que visa melhor compreender o que é ser Humano, uma espécie de vestir a pele para absorver a condição humana na plenitude. A tentação exercida quer por homens quer por mulheres uns sobre os outros, a forma como se vive o amor e a ausência dele e tudo o que deriva deste sentimento, experimentar primeira pessoa esta realidade é a melhor forma de conhecer os nossos impulsos, donde derivam a maioria daquilo a que muitos chamam pecados.
O outro lado da questão, o valor literário da obra. Perdurará como obra de referência da Humanidade? Claramente não. Limita-se a ser um bom policial. Sem grande esforço, consegue-se elaborar uma lista de livros que levantam questões muito mais profundas sobre esta temática e que as exploram e dissecam muito para além deste. Só que não venderam tanto e este é que é o verdadeiro problema. Este livro limita-se a partir de uma possibilidade, não fundamentada do ponto de vista histórico, e conta de forma notável um enredo, do tipo teoria da conspiração, em volta do esforço da igreja católica para esconder esta alegada verdade.
A estratégia seguida para desacreditar o livro é que é francamente errada. A atribuição de importância é revelada, por exemplo, quando instiga os católicos a processarem o seu autor (e o mesmo em relação ao filme, que surgiu tão rapidamente devido ao êxito do livro e a indústria cinematográfica, inteligentemente, não perdeu a oportunidade de ganhar algum, ou muito, com isto). Que melhor publicidade poderiam esperar? Será que as questões levantadas do ponto de vista religioso têm algum fundamento para provocarem esta espécie de pânico? Ou então é apenas o medo da debandada que já começou há muito tempo, e não por este motivo mas simplesmente devido ao facto de as pessoas já não se identificarem com uma instituição que não os representa? Se alguém alterou a sua posição relativamente à religião após este livro, apenas o fez porque as suas dúvidas já eram profundas o suficiente e isto foi apenas um pretexto. A sua credibilidade enquanto obra relatora de factos históricos é incipiente.
Não se pode, todavia, ter uma visão demasiado redutora do livro. Eu li, não só este como todos os deste autor. E gostei. Não mudaram a minha vida ou criaram um sentimento avassalador como já o fizeram muitos outros, facto que os tornou as minhas obras de referência, mas são os melhores que li do género.
Ler, é por tudo isto, um processo que estimula o auto conhecimento. Já há muitos anos, no auge de uma adolescência muito pouco votada a hábitos da leitura, com a arrogância natural desta fase da vida, comecei a sentir-me vazio. Dentro dos meus limitados horizontes, que de repente se viram alargados exponencialmente sem eu estar preparado, perdi-me na noite. Alguém muito mais experiente do que eu, emprestou-me um livro. Jamais me esquecerei. Contacto de Carl Sagan. Há medida que o lia, senti-me ainda pior. O espelho revelou-se demasiado eficaz. Vi exactamente aquilo que era. Ignorante, principalmente. Mas, ao mesmo tempo, a sua leitura empurrou-me para um mundo sem igual. Tornei-me ávido de conhecimento, apercebi-me do valor dos livros e agora leio compulsivamente.
Se este autor já vendeu um milhão de livros em Portugal, dos quais nem todos seriam leitores assíduos, alguém pode ter sentido o mesmo tipo de revelação. Se 1% começar a ler assiduamente, são 10.000 pessoas que encontraram a origem do seu descontentamento, que iniciaram um caminho através do mundo da leitura, que é sem retorno, queremos sempre mais e mais, e que, certamente, mesmo estando latente, se não fosse esta primeira experiência, não afloraria.


Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 17:46

Maio 16 2006

Em semana de estreia do filme “O Código Da Vinci”, e depois de toda a polémica que surgiu com a publicação do livro, o estranho fenómeno mantém-se. Se atentarmos às reacções de alguns líderes religiosos, aparentemente desesperados com os possíveis efeitos do movimento de questionação promovido por ambas as obras, agem de forma irreflectida sem perceberem que, por absurdo que pareça, são eles próprios que o publicitam e instigam com a sua atitude.
Antes de mais refira-se que eu li o livro e se tudo correr bem vou ver o filme. Todavia, considero muito relativa a sua importância. Para sustentar esta posição, que procurarei fundamentar, avaliando o impacto do livro em duas vertentes, o seu valor enquanto obra literária e a sua importância sociológica, nomeadamente no que diz respeito ás questões que levanta do ponto de vista religioso.
Apesar de serem indissociáveis, pode fazer-se uma análise individual de cada uma. Em relação à questão religiosa, é importante referir que qualquer discussão tem que partir da dicotomia inerente à crença ou ausência dela. Assim, não há lugar para ambivalências, uma vez que tudo se resume a sentimentos, e a lógica não tem aqui qualquer lugar. Ou se acredita ou não. A principal novidade apresentada e que originou toda esta polémica, a questão do casamento de Jesus, já estava no mercado há muito tempo. Só que, na falta de prova histórica, esta interpretação da história pretendente a teoria tem tanto valor como qualquer outra do género, ou seja, nenhum.
É sabido que todos, os crentes e os não crentes, por vezes, se envolvem em discussões acerca da legitimidade de cada uma das posições, tentando convencer a outra facção que a sua é a melhor. Nunca ninguém vence porque, e esta uma verdade irrefutável, estes caminhos em busca da verdade, são caminhos de solidão. Se a dúvida existe, apenas olhando profundamente para o interior de cada um ela se desvanece. Partindo deste pressuposto e imaginado uma discussão deste género, onde um dos envolvidos atira - É tudo mentira, Cristo até foi casado. Se não acreditam, leiam “ O código Da Vinci”. Para além de uma valente gargalhada, uma discussão sobre esta temática onde è esgrimido um argumento destes e se, de alguma forma, este representa uma vantagem argumentativa, é suficientemente revelador da importância da discussão. Parece-me, por isso, que com base neste livro, quem tinha fé vai continuar a tê-la e quem não tinha não viu as suas razões reforçadas.
Suponhamos então, num exercício meramente académico, que Cristo casou. Se ele realmente for filho de Deus, será que isto o diminui em alguma coisa? Se atentarmos á oração do Credo, que em determinada altura diz “E se fez Homem”, não será esta uma forma de o fazer completamente? Se assim foi, parece-me esta apenas uma atitude que visa melhor compreender o que é ser Humano, uma espécie de vestir a pele para absorver a condição humana na plenitude. A tentação exercida quer por homens quer por mulheres uns sobre os outros, a forma como se vive o amor e a ausência dele e tudo o que deriva deste sentimento, experimentar primeira pessoa esta realidade é a melhor forma de conhecer os nossos impulsos, donde derivam a maioria daquilo a que muitos chamam pecados.
O outro lado da questão, o valor literário da obra. Perdurará como obra de referência da Humanidade? Claramente não. Limita-se a ser um bom policial. Sem grande esforço, consegue-se elaborar uma lista de livros que levantam questões muito mais profundas sobre esta temática e que as exploram e dissecam muito para além deste. Só que não venderam tanto e este é que é o verdadeiro problema. Este livro limita-se a partir de uma possibilidade, não fundamentada do ponto de vista histórico, e conta de forma notável um enredo, do tipo teoria da conspiração, em volta do esforço da igreja católica para esconder esta alegada verdade.
A estratégia seguida para desacreditar o livro é que é francamente errada. A atribuição de importância é revelada, por exemplo, quando instiga os católicos a processarem o seu autor (e o mesmo em relação ao filme, que surgiu tão rapidamente devido ao êxito do livro e a indústria cinematográfica, inteligentemente, não perdeu a oportunidade de ganhar algum, ou muito, com isto). Que melhor publicidade poderiam esperar? Será que as questões levantadas do ponto de vista religioso têm algum fundamento para provocarem esta espécie de pânico? Ou então é apenas o medo da debandada que já começou há muito tempo, e não por este motivo mas simplesmente devido ao facto de as pessoas já não se identificarem com uma instituição que não os representa? Se alguém alterou a sua posição relativamente à religião após este livro, apenas o fez porque as suas dúvidas já eram profundas o suficiente e isto foi apenas um pretexto. A sua credibilidade enquanto obra relatora de factos históricos é incipiente.
Não se pode, todavia, ter uma visão demasiado redutora do livro. Eu li, não só este como todos os deste autor. E gostei. Não mudaram a minha vida ou criaram um sentimento avassalador como já o fizeram muitos outros, facto que os tornou as minhas obras de referência, mas são os melhores que li do género.
Ler, é por tudo isto, um processo que estimula o auto conhecimento. Já há muitos anos, no auge de uma adolescência muito pouco votada a hábitos da leitura, com a arrogância natural desta fase da vida, comecei a sentir-me vazio. Dentro dos meus limitados horizontes, que de repente se viram alargados exponencialmente sem eu estar preparado, perdi-me na noite. Alguém muito mais experiente do que eu, emprestou-me um livro. Jamais me esquecerei. Contacto de Carl Sagan. Há medida que o lia, senti-me ainda pior. O espelho revelou-se demasiado eficaz. Vi exactamente aquilo que era. Ignorante, principalmente. Mas, ao mesmo tempo, a sua leitura empurrou-me para um mundo sem igual. Tornei-me ávido de conhecimento, apercebi-me do valor dos livros e agora leio compulsivamente.
Se este autor já vendeu um milhão de livros em Portugal, dos quais nem todos seriam leitores assíduos, alguém pode ter sentido o mesmo tipo de revelação. Se 1% começar a ler assiduamente, são 10.000 pessoas que encontraram a origem do seu descontentamento, que iniciaram um caminho através do mundo da leitura, que é sem retorno, queremos sempre mais e mais, e que, certamente, mesmo estando latente, se não fosse esta primeira experiência, não afloraria.


Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 17:46

Maio 15 2006

O centenário do nascimento de Humberto Delgado assinala-se hoje com o lançamento de um livro sobre a carreira aeronáutica do piloto-aviador que fundou a TAP a pedido de Salazar, vinte anos antes de ser assassinado pelo regime. Conhecido pelos portugueses desde 1958, a partir da sua candidatura a Presidente da República, como o «general sem medo», Humberto Delgado notabilizou-se primeiro numa carreira militar dedicada à aeronáutica e à aviação civil, ao serviço do regime de Salazar, de quem foi admirador e, mais tarde, principal opositor. A Fundação Humberto Delgado, presidida pela filha mais nova do general, Iva Delgado, decidiu lembrar essa faceta, lançando, o livro «Humberto Delgado e a Aviação Civil», editado pela Chaves Ferreira Publicações e pela ANA-Aeroportos de Portugal. A obra é da autoria de Frederico Rosa, neto de Delgado, doutorado em Etnologia pela Universidade de Paris, que se dedica desde 2001 à investigação da carreira militar e aeronáutica do avô e é actualmente coordenador do Arquivo Digital da Fundação Humberto Delgado (Lusa).
Bastou uma simples frase, para que Humberto Delgado, escrevesse o seu destino na história política de Portugal contemporâneo. O episódio a que esta frase se refere, passou-se no café lisboeta, Chave D'Ouro, no dia 10 de Maio de 1958, respondendo a uma pergunta feita pelo jornalista Mário Neves, sobre qual seria o destino do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, se o general vencesse as eleições, disse: "demito-o, obviamente", a afirmação passaria à história com as palavras em ordem inversa.
Humberto Delgado nasceu a 15 de Maio de 1906 em Boquilobo, Torres Novas. Cedo ingressou na carreira das armas, frequentando o Colégio Militar e a Escola do Exército onde se formou em Artilharia em 1925. Participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que depôs o regime republicano. Em 1928 optou pela carreira da Aeronáutica obtendo o curso de oficial piloto aviador.
Em 1936 conclui o curso de Estado-Maior. Em 1942 foi nomeado representante do Ar para as negociações com a Inglaterra para a cedência de bases nos Açores. Devido à eficiência demonstrada, o governo inglês outorgou-lhe a Ordem do Império Britânico (CBE), salientando que arriscara a sua carreira e o seu futuro pela causa dos Aliados e da liberdade. Em 1944 é nomeado director-geral do Secretariado de Aviação Civil.
Em 1945 funda os Transportes Aéreos Portugueses (TAP) e cria as primeiras linhas aéreas de ligação com Angola e Moçambique, a chamada “Linha Imperial”. Em 1952 é nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos representantes militares da NATO. Promovido a general com 47 anos é o mais novo oficial daquela patente. Em 1956 o Governo Americano concedeu-lhe o grau de oficial da Ordem de Mérito.
Em 1958, acedendo ao convite da oposição democrática, apresentou-se como candidato independente às eleições presidenciais.
A vasta movimentação popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas de ditadura uma dinâmica de unidade da oposição contra o regime salazarista.
O carisma do “General sem medo” surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas. Após os incidentes e tumultos ocorridos no Porto e em Lisboa, a 14 e 16 de Maio, a polícia política (PIDE) aumentou a repressão contra a população que participava espontaneamente na campanha apelidada de “subversiva” pela imprensa controlada.
Apesar do mecanismo eleitoral ser manipulado desde o recenseamento, apesar das dificuldades intransponíveis na cópia dos cadernos eleitorais e na distribuição por parte da oposição dos boletins de voto, ainda assim o Estado Novo, temendo um enorme desaire eleitoral, decretou a proibição da fiscalização do escrutínio por parte da oposição.
Os números oficiais deram quase 25% dos votos a Humberto Delgado, contra 75% do candidato oficial, Américo Tomás, não sendo possível ainda hoje apurar os resultados reais dada a amplitude da fraude. Com medo de no futuro passar por um outro “golpe constitucional” que representava a possibilidade de a oposição voltar a lançar-se numa campanha eleitoral como a de 1958, Salazar promove, em Agosto de 1959 uma revisão constitucional na qual se suprime o sufrágio directo sendo substituído por sufrágio indirecto proporcionado por um colégio eleitoral de total confiança do Governo.
No rescaldo das eleições o governo demitiu Humberto Delgado das funções de Director-geral da Aeronáutica Civil, a 12 de Junho de 1958, e tudo fez para conseguir afastá-lo para o Canadá. Apesar da desmobilização que se seguiu à campanha e da perseguição a que foi sujeito, Humberto Delgado lançou as bases do que viria a ser o Movimento Nacional Independente, com o objectivo de dar continuidade à actividade política, apoiando-se para tal nas frágeis estruturas que a unificação das candidaturas de oposição permitira obter. Mas num evidente desafio ao poder político continuou a dar entrevistas à imprensa estrangeira e a acusar o Governo de fraudulento.
Foi então sujeito a processo disciplinar que o separou do serviço militar e colocou sob a alçada da PIDE. Avisado de que estava preparada uma falsa manifestação de apoio em frente da sua residência, com elementos da PIDE e da Legião, com intuitos de o assassinarem, refugiou-se na Embaixada do Brasil, a 12 de Janeiro de 1959.
O Embaixador Álvaro Lins, figura conhecida da intelectualidade portuguesa, espantou o governo português ao acolher o refugiado sob a bandeira brasileira. Após demoradas negociações diplomáticas que duraram cerca de três meses, durante as quais o próprio Salazar escreveu directamente ao Presidente do Brasil Kubitschek de Oliveira pedindo-lhe que não concedesse o asilo, o Embaixador Álvaro Lins manteve uma linha de não cedência às pressões que em Portugal e no Brasil se faziam contra o asilado.
Para o governo português interessava esvaziar o conteúdo político do gesto de Humberto Delgado acusando-o de protagonismo internacional e de auto propaganda como líder da oposição. O governo brasileiro, forçado pela opinião pública interna e pelas forças de oposição que despertaram não só para a situação anti-democrática vivida em Portugal, como para o paternalismo da “fraternidade luso-brasileira”, pedra de toque da política internacional portuguesa, permitiu que o asilado seguisse viagem para o Rio de Janeiro a 21 de Abril de 1959, após a intervenção de um jornalista, João Dantas, director do Diário de Notícias do Rio de Janeiro.
No exílio, logo em Novembro de 1959 faz uma viagem à Grã-Bretanha onde é recebido por membros do Partido Trabalhista e dos outros partidos. Durante a passagem pela Holanda é-lhe proibida a possibilidade de falar em público sobre a situação em Portugal, mas a pressão da opinião pública e da oposição obriga o Governo de Joseph Luns a retirar a proibição.
De regresso ao Brasil entra em contacto com núcleos oposicionistas portugueses na América Latina forçando-se por unificar a acção contra Salazar.
Firmou um acordo com o Governo espanhol no exílio, chefiado por Emílio Herrera, e assumiu a responsabilidade política da controversa captura do navio Santa Maria, operação levada a cabo por Henrique Galvão e membros do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) em 22 de Janeiro de 1961.
Nos finais de 1961, Humberto Delgado entra clandestinamente em Portugal para tomar parte na fracassada revolta de Beja, conseguindo iludir a vigilância da PIDE durante quinze dias. No regresso ao Brasil encontrou dificuldades por parte das autoridades brasileiras que consideraram aquela acção como quebra do estatuto de asilado.
Deixa definitivamente o Brasil, em finais de 1963 com destino à Europa, incompatibilizado com grupos rivais e cansado da perseguição que a PIDE lhe movia.
Devido ao estado de saúde que entretanto se agrava e por mediação de Álvaro Cunhal permanece três meses na Checoslováquia onde é submetido a delicada intervenção cirúrgica.
Após a recuperação, no Verão de 1964 instala-se na Argélia onde o Presidente Ben Bella o recebe com honras de chefe de Estado.
Em Argel assume a chefia da Junta Revolucionária Portuguesa, órgão directivo da Frente Patriótica de Libertação Nacional, composta por diversas correntes da oposição. Após uma fase inicial de tentativa de equilíbrio dessas correntes, nas quais dominavam os comunistas, entra em ruptura com os membros da Frente quanto à forma de derrube da ditadura salazarista.
A PIDE, que já no Brasil fizera uma tentativa de assassinar Humberto Delgado, infiltrou certos círculos da oposição mantendo uma apertada vigilância sobre todos os movimentos do líder da oposição portuguesa no exílio. Uma intensa campanha de descrédito e de isolamento alimentada pelos serviços secretos, fomentou gradualmente ao longo de um período de cinco anos, a criação de uma rede de informadores que conseguiu obter a confiança do general. Foi assim que ele anuiu ir ao encontro de Badajoz. Convencido que se ia reunir com oficiais portugueses interessados em derrubar o regime, Delgado foi de facto ao encontro da morte. Uma brigada da PIDE chefiada pelo inspector Rosa Casaco atravessou a fronteira utilizando passaportes falsos, a fim de montar a cilada que vitimaria o general e a sua secretária brasileira, Arajaryr Campos Moreira. 13 de Fevereiro de 1965 é a data do encontro fatídico, marcado para os correios de Badajoz, donde aliás enviou quatro postais a quatro amigos em quatro países diferentes e assinados com o nome de sua irmã- Deolinda. O objectivo do envio destes postais correspondia a um código, previamente combinado, que significava: estou vivo e não estou preso. Foi o último sinal de vida e por isso esta data é considerada a data do seu assassinato que se pressupõe ter ocorrido perto de Olivença. O desaparecimento de Humberto Delgado deixa os seus companheiros de exílio mergulhados na inquietação. Passam-se semanas sem qualquer notícia do seu paradeiro. Dois meses e meio, a 26 de Abril, os corpos do general e da secretária são encontrados por duas crianças, em adiantado estado de decomposição. No entanto diversos elementos permitem identificá-los, dando início a um longo e árduo processo judicial, que só terminaria após o 25 de Abril de 1974, com a condenação em tribunal militar dos ex. agentes da PIDE directamente implicados e com a trasladação dos restos mortais do "general sem medo" para o Panteão Nacional. Em 1990 Humberto Delgado foi promovido a título póstumo a marechal da Força Aérea.

Links: vidaslusofonas.
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publicado por armando ésse às 08:51
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Maio 15 2006

O centenário do nascimento de Humberto Delgado assinala-se hoje com o lançamento de um livro sobre a carreira aeronáutica do piloto-aviador que fundou a TAP a pedido de Salazar, vinte anos antes de ser assassinado pelo regime. Conhecido pelos portugueses desde 1958, a partir da sua candidatura a Presidente da República, como o «general sem medo», Humberto Delgado notabilizou-se primeiro numa carreira militar dedicada à aeronáutica e à aviação civil, ao serviço do regime de Salazar, de quem foi admirador e, mais tarde, principal opositor. A Fundação Humberto Delgado, presidida pela filha mais nova do general, Iva Delgado, decidiu lembrar essa faceta, lançando, o livro «Humberto Delgado e a Aviação Civil», editado pela Chaves Ferreira Publicações e pela ANA-Aeroportos de Portugal. A obra é da autoria de Frederico Rosa, neto de Delgado, doutorado em Etnologia pela Universidade de Paris, que se dedica desde 2001 à investigação da carreira militar e aeronáutica do avô e é actualmente coordenador do Arquivo Digital da Fundação Humberto Delgado (Lusa).
Bastou uma simples frase, para que Humberto Delgado, escrevesse o seu destino na história política de Portugal contemporâneo. O episódio a que esta frase se refere, passou-se no café lisboeta, Chave D'Ouro, no dia 10 de Maio de 1958, respondendo a uma pergunta feita pelo jornalista Mário Neves, sobre qual seria o destino do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, se o general vencesse as eleições, disse: "demito-o, obviamente", a afirmação passaria à história com as palavras em ordem inversa.
Humberto Delgado nasceu a 15 de Maio de 1906 em Boquilobo, Torres Novas. Cedo ingressou na carreira das armas, frequentando o Colégio Militar e a Escola do Exército onde se formou em Artilharia em 1925. Participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que depôs o regime republicano. Em 1928 optou pela carreira da Aeronáutica obtendo o curso de oficial piloto aviador.
Em 1936 conclui o curso de Estado-Maior. Em 1942 foi nomeado representante do Ar para as negociações com a Inglaterra para a cedência de bases nos Açores. Devido à eficiência demonstrada, o governo inglês outorgou-lhe a Ordem do Império Britânico (CBE), salientando que arriscara a sua carreira e o seu futuro pela causa dos Aliados e da liberdade. Em 1944 é nomeado director-geral do Secretariado de Aviação Civil.
Em 1945 funda os Transportes Aéreos Portugueses (TAP) e cria as primeiras linhas aéreas de ligação com Angola e Moçambique, a chamada “Linha Imperial”. Em 1952 é nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos representantes militares da NATO. Promovido a general com 47 anos é o mais novo oficial daquela patente. Em 1956 o Governo Americano concedeu-lhe o grau de oficial da Ordem de Mérito.
Em 1958, acedendo ao convite da oposição democrática, apresentou-se como candidato independente às eleições presidenciais.
A vasta movimentação popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas de ditadura uma dinâmica de unidade da oposição contra o regime salazarista.
O carisma do “General sem medo” surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas. Após os incidentes e tumultos ocorridos no Porto e em Lisboa, a 14 e 16 de Maio, a polícia política (PIDE) aumentou a repressão contra a população que participava espontaneamente na campanha apelidada de “subversiva” pela imprensa controlada.
Apesar do mecanismo eleitoral ser manipulado desde o recenseamento, apesar das dificuldades intransponíveis na cópia dos cadernos eleitorais e na distribuição por parte da oposição dos boletins de voto, ainda assim o Estado Novo, temendo um enorme desaire eleitoral, decretou a proibição da fiscalização do escrutínio por parte da oposição.
Os números oficiais deram quase 25% dos votos a Humberto Delgado, contra 75% do candidato oficial, Américo Tomás, não sendo possível ainda hoje apurar os resultados reais dada a amplitude da fraude. Com medo de no futuro passar por um outro “golpe constitucional” que representava a possibilidade de a oposição voltar a lançar-se numa campanha eleitoral como a de 1958, Salazar promove, em Agosto de 1959 uma revisão constitucional na qual se suprime o sufrágio directo sendo substituído por sufrágio indirecto proporcionado por um colégio eleitoral de total confiança do Governo.
No rescaldo das eleições o governo demitiu Humberto Delgado das funções de Director-geral da Aeronáutica Civil, a 12 de Junho de 1958, e tudo fez para conseguir afastá-lo para o Canadá. Apesar da desmobilização que se seguiu à campanha e da perseguição a que foi sujeito, Humberto Delgado lançou as bases do que viria a ser o Movimento Nacional Independente, com o objectivo de dar continuidade à actividade política, apoiando-se para tal nas frágeis estruturas que a unificação das candidaturas de oposição permitira obter. Mas num evidente desafio ao poder político continuou a dar entrevistas à imprensa estrangeira e a acusar o Governo de fraudulento.
Foi então sujeito a processo disciplinar que o separou do serviço militar e colocou sob a alçada da PIDE. Avisado de que estava preparada uma falsa manifestação de apoio em frente da sua residência, com elementos da PIDE e da Legião, com intuitos de o assassinarem, refugiou-se na Embaixada do Brasil, a 12 de Janeiro de 1959.
O Embaixador Álvaro Lins, figura conhecida da intelectualidade portuguesa, espantou o governo português ao acolher o refugiado sob a bandeira brasileira. Após demoradas negociações diplomáticas que duraram cerca de três meses, durante as quais o próprio Salazar escreveu directamente ao Presidente do Brasil Kubitschek de Oliveira pedindo-lhe que não concedesse o asilo, o Embaixador Álvaro Lins manteve uma linha de não cedência às pressões que em Portugal e no Brasil se faziam contra o asilado.
Para o governo português interessava esvaziar o conteúdo político do gesto de Humberto Delgado acusando-o de protagonismo internacional e de auto propaganda como líder da oposição. O governo brasileiro, forçado pela opinião pública interna e pelas forças de oposição que despertaram não só para a situação anti-democrática vivida em Portugal, como para o paternalismo da “fraternidade luso-brasileira”, pedra de toque da política internacional portuguesa, permitiu que o asilado seguisse viagem para o Rio de Janeiro a 21 de Abril de 1959, após a intervenção de um jornalista, João Dantas, director do Diário de Notícias do Rio de Janeiro.
No exílio, logo em Novembro de 1959 faz uma viagem à Grã-Bretanha onde é recebido por membros do Partido Trabalhista e dos outros partidos. Durante a passagem pela Holanda é-lhe proibida a possibilidade de falar em público sobre a situação em Portugal, mas a pressão da opinião pública e da oposição obriga o Governo de Joseph Luns a retirar a proibição.
De regresso ao Brasil entra em contacto com núcleos oposicionistas portugueses na América Latina forçando-se por unificar a acção contra Salazar.
Firmou um acordo com o Governo espanhol no exílio, chefiado por Emílio Herrera, e assumiu a responsabilidade política da controversa captura do navio Santa Maria, operação levada a cabo por Henrique Galvão e membros do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL) em 22 de Janeiro de 1961.
Nos finais de 1961, Humberto Delgado entra clandestinamente em Portugal para tomar parte na fracassada revolta de Beja, conseguindo iludir a vigilância da PIDE durante quinze dias. No regresso ao Brasil encontrou dificuldades por parte das autoridades brasileiras que consideraram aquela acção como quebra do estatuto de asilado.
Deixa definitivamente o Brasil, em finais de 1963 com destino à Europa, incompatibilizado com grupos rivais e cansado da perseguição que a PIDE lhe movia.
Devido ao estado de saúde que entretanto se agrava e por mediação de Álvaro Cunhal permanece três meses na Checoslováquia onde é submetido a delicada intervenção cirúrgica.
Após a recuperação, no Verão de 1964 instala-se na Argélia onde o Presidente Ben Bella o recebe com honras de chefe de Estado.
Em Argel assume a chefia da Junta Revolucionária Portuguesa, órgão directivo da Frente Patriótica de Libertação Nacional, composta por diversas correntes da oposição. Após uma fase inicial de tentativa de equilíbrio dessas correntes, nas quais dominavam os comunistas, entra em ruptura com os membros da Frente quanto à forma de derrube da ditadura salazarista.
A PIDE, que já no Brasil fizera uma tentativa de assassinar Humberto Delgado, infiltrou certos círculos da oposição mantendo uma apertada vigilância sobre todos os movimentos do líder da oposição portuguesa no exílio. Uma intensa campanha de descrédito e de isolamento alimentada pelos serviços secretos, fomentou gradualmente ao longo de um período de cinco anos, a criação de uma rede de informadores que conseguiu obter a confiança do general. Foi assim que ele anuiu ir ao encontro de Badajoz. Convencido que se ia reunir com oficiais portugueses interessados em derrubar o regime, Delgado foi de facto ao encontro da morte. Uma brigada da PIDE chefiada pelo inspector Rosa Casaco atravessou a fronteira utilizando passaportes falsos, a fim de montar a cilada que vitimaria o general e a sua secretária brasileira, Arajaryr Campos Moreira. 13 de Fevereiro de 1965 é a data do encontro fatídico, marcado para os correios de Badajoz, donde aliás enviou quatro postais a quatro amigos em quatro países diferentes e assinados com o nome de sua irmã- Deolinda. O objectivo do envio destes postais correspondia a um código, previamente combinado, que significava: estou vivo e não estou preso. Foi o último sinal de vida e por isso esta data é considerada a data do seu assassinato que se pressupõe ter ocorrido perto de Olivença. O desaparecimento de Humberto Delgado deixa os seus companheiros de exílio mergulhados na inquietação. Passam-se semanas sem qualquer notícia do seu paradeiro. Dois meses e meio, a 26 de Abril, os corpos do general e da secretária são encontrados por duas crianças, em adiantado estado de decomposição. No entanto diversos elementos permitem identificá-los, dando início a um longo e árduo processo judicial, que só terminaria após o 25 de Abril de 1974, com a condenação em tribunal militar dos ex. agentes da PIDE directamente implicados e com a trasladação dos restos mortais do "general sem medo" para o Panteão Nacional. Em 1990 Humberto Delgado foi promovido a título póstumo a marechal da Força Aérea.

Links: vidaslusofonas.
mundoportugues.
publicado por armando ésse às 08:51
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Maio 14 2006

Recentemente, quando regressava a casa depois de um dia de trabalho, dei por mim a ouvir um programa cujo assunto versava sobre a existência ou ausência de arrependimentos de actos cometidos no passado de cada um. Como invariavelmente acontece quando regressamos a casa, ou estamos nos momentos em que fazemos uma recapitulação do dia e do que, em consequência, temos de fazer no seguinte, ou então estamos mergulhados em elucubrações que derivam das questões que nos apoquentam. Foi o que sucedeu com a discussão lançada nas ondas hertzianas. Interessou-me o tema.
Por entre as conversas, surgiu um ouvinte em particular que, com uma convicção que roçava a arrogância, disse que não se arrependia de nada do que tinha feito. Esta postura resulta de uma de duas coisas. Ou estamos perante alguém que acredita que em cada encruzilhada com se deparou não interessa o caminho seguido, que o resultado final é sempre o mesmo, portanto, um partidário da teoria da predestinação, ou então teve uma vida tão simples que qualquer opção que se colocasse no seu percurso, além de não diferirem muito na sua essência, os resultados também não eram assim tão diferentes, ao ponto de se considerados relevantes no seu contexto existencial.
Será esta última o tipo de vida que desejamos?

Uma onde as opções são quase iguais em conteúdo e, necessariamente, em consequências?
Uma vida rica do ponto de vista existencial não será aquela em que ao serem colocadas as opções se sente o sabor do poder de escolha?
A própria existência de opções significativas, férteis em provocar dúvidas sobre qual a melhor, não será por si só sinal de uma vida preenchida?
A incerteza nas encruzilhadas provoca descargas de adrenalina e cada um escolhe de acordo com um critério subjectivo. Somos, enquanto seres humanos, o resultado de cada uma das opções tomadas e vamos crescendo, colocando pedra em cima de pedra, como se construíssemos uma casa para albergar a nossa alma. Este processo contínuo torna o passado parte integrante e indissociável do nosso Ser. Não se arrepender de nada é uma alienação completa. Não se pode é viver agarrado aos erros e permitir qualquer tipo de condicionamento. A vida contínua, por muito que isto cheire a lugar comum.
Escolher, sobretudo quando o fazemos mal, deveria significar apenas amadurecimento, uma melhoria enquanto ser humano. Não escolher, quando existe possibilidade de o fazer, é que é motivo de arrependimento. E estar arrependido não significa viver agarrado ás opções que se revelaram erradas. Significa, apenas e só que, nas mesmas circunstâncias, a experiência passará a ditar as regras. A inércia perante a vida inevitavelmente será o que recordaremos com insustentável nostalgia, o arrependimento resultante unir-se-á a alma como um qualquer vulgar parasita, que a destruirá todos os dias um pouco por não termos seguido, por cobardia, o caminho que, de alguma forma, sempre sentimos ser o nosso.
O que seria de nós sem o passado?

A resposta é simples.Não Seríamos.
Umberto Eco no seu livro, “A Misteriosa Chama da Rainha Loana”, retrata a vida de um homem que perdeu a memória de si próprio e que, para a recuperar, encetou uma viagem até aos locais do seu passado em busca dos acontecimentos com eles relacionados e que o fizeram ser quem era. Em certa medida isso acontece naqueles momentos em que nos impõe com firmeza militar a organização de alguns dos recônditos cantos das nossas casas, onde vamos empilhando objectos que, em determinada altura, tiveram um significado especial, e que mais não são do que as provas materiais dos sentimentos que lhes estão associados. São as pedras que fomos colocando, e que nos fizeram o que somos. Obviamente que o pretendido é que os encaminhemos para um destino algo definitivo. No entanto, esta exigência é profundamente penosa, sendo muitas vezes uma impossibilidade desfazer-nos de um objecto, tão forte é a ligação criada e que, também, é difícil de explicar.
A razão para esta hesitação não é o objecto em si, é a viagem que feita ao longínquo tempo em que o tornamos nosso, e que fez aquele momento que se revive ser mais importante que os restantes. São os sentimentos inerentes que afloram. É o mar de sensações provocadas por algo que vagueava por entre os infinitos ecos do passado, impregnadas no cérebro por mecanismos incompreensíveis, e que foi nossa decisão imortalizar, à nossa escala. O objecto apenas serve de estímulo à memória, e encerra em si um capítulo importante com, mais ou menos perceptíveis, reflexos no presente. Estes objectos permitem evocar a galeria de recordações que, caminhando lado a lado no tempo connosco, nos permitem reviver, com deleite ou desprezo, o momento que os fez serem especiais. Acredito que sem estes auxiliares de memória, sem estes pedaços da nossa vida, esses momentos seriam como tantos outros, meros segundos sem história.
Há, no entanto, uma pequena ressalva a fazer. Nestas viagens pode ficar-se agarrado a um determinado momento, do qual não nos conseguimos libertar. As origens das psicoses estão no passado, segundo dizia Freud. Encerrar qualquer capítulo da nossa vida que nos tolda a existência é, por isso, a conquista final. Sendo esta apenas uma forma de arrumar e ordenar o caos, é preciso perceber que não há forma de esquecer nada, fazer de conta que não existe. Esse é o peso das pedras que nos constituem São impossíveis de retirar sem que se crie um novo Ser. E isso ninguém quer. Perder a identidade significa perder aquilo que somos. Esse é o desespero da personagem que Umberto Eco retrata no seu livro e que se torna o nosso quando pensamos o que seria se sucedesse connosco.


Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 15:36

Maio 14 2006

Recentemente, quando regressava a casa depois de um dia de trabalho, dei por mim a ouvir um programa cujo assunto versava sobre a existência ou ausência de arrependimentos de actos cometidos no passado de cada um. Como invariavelmente acontece quando regressamos a casa, ou estamos nos momentos em que fazemos uma recapitulação do dia e do que, em consequência, temos de fazer no seguinte, ou então estamos mergulhados em elucubrações que derivam das questões que nos apoquentam. Foi o que sucedeu com a discussão lançada nas ondas hertzianas. Interessou-me o tema.
Por entre as conversas, surgiu um ouvinte em particular que, com uma convicção que roçava a arrogância, disse que não se arrependia de nada do que tinha feito. Esta postura resulta de uma de duas coisas. Ou estamos perante alguém que acredita que em cada encruzilhada com se deparou não interessa o caminho seguido, que o resultado final é sempre o mesmo, portanto, um partidário da teoria da predestinação, ou então teve uma vida tão simples que qualquer opção que se colocasse no seu percurso, além de não diferirem muito na sua essência, os resultados também não eram assim tão diferentes, ao ponto de se considerados relevantes no seu contexto existencial.
Será esta última o tipo de vida que desejamos?

Uma onde as opções são quase iguais em conteúdo e, necessariamente, em consequências?
Uma vida rica do ponto de vista existencial não será aquela em que ao serem colocadas as opções se sente o sabor do poder de escolha?
A própria existência de opções significativas, férteis em provocar dúvidas sobre qual a melhor, não será por si só sinal de uma vida preenchida?
A incerteza nas encruzilhadas provoca descargas de adrenalina e cada um escolhe de acordo com um critério subjectivo. Somos, enquanto seres humanos, o resultado de cada uma das opções tomadas e vamos crescendo, colocando pedra em cima de pedra, como se construíssemos uma casa para albergar a nossa alma. Este processo contínuo torna o passado parte integrante e indissociável do nosso Ser. Não se arrepender de nada é uma alienação completa. Não se pode é viver agarrado aos erros e permitir qualquer tipo de condicionamento. A vida contínua, por muito que isto cheire a lugar comum.
Escolher, sobretudo quando o fazemos mal, deveria significar apenas amadurecimento, uma melhoria enquanto ser humano. Não escolher, quando existe possibilidade de o fazer, é que é motivo de arrependimento. E estar arrependido não significa viver agarrado ás opções que se revelaram erradas. Significa, apenas e só que, nas mesmas circunstâncias, a experiência passará a ditar as regras. A inércia perante a vida inevitavelmente será o que recordaremos com insustentável nostalgia, o arrependimento resultante unir-se-á a alma como um qualquer vulgar parasita, que a destruirá todos os dias um pouco por não termos seguido, por cobardia, o caminho que, de alguma forma, sempre sentimos ser o nosso.
O que seria de nós sem o passado?

A resposta é simples.Não Seríamos.
Umberto Eco no seu livro, “A Misteriosa Chama da Rainha Loana”, retrata a vida de um homem que perdeu a memória de si próprio e que, para a recuperar, encetou uma viagem até aos locais do seu passado em busca dos acontecimentos com eles relacionados e que o fizeram ser quem era. Em certa medida isso acontece naqueles momentos em que nos impõe com firmeza militar a organização de alguns dos recônditos cantos das nossas casas, onde vamos empilhando objectos que, em determinada altura, tiveram um significado especial, e que mais não são do que as provas materiais dos sentimentos que lhes estão associados. São as pedras que fomos colocando, e que nos fizeram o que somos. Obviamente que o pretendido é que os encaminhemos para um destino algo definitivo. No entanto, esta exigência é profundamente penosa, sendo muitas vezes uma impossibilidade desfazer-nos de um objecto, tão forte é a ligação criada e que, também, é difícil de explicar.
A razão para esta hesitação não é o objecto em si, é a viagem que feita ao longínquo tempo em que o tornamos nosso, e que fez aquele momento que se revive ser mais importante que os restantes. São os sentimentos inerentes que afloram. É o mar de sensações provocadas por algo que vagueava por entre os infinitos ecos do passado, impregnadas no cérebro por mecanismos incompreensíveis, e que foi nossa decisão imortalizar, à nossa escala. O objecto apenas serve de estímulo à memória, e encerra em si um capítulo importante com, mais ou menos perceptíveis, reflexos no presente. Estes objectos permitem evocar a galeria de recordações que, caminhando lado a lado no tempo connosco, nos permitem reviver, com deleite ou desprezo, o momento que os fez serem especiais. Acredito que sem estes auxiliares de memória, sem estes pedaços da nossa vida, esses momentos seriam como tantos outros, meros segundos sem história.
Há, no entanto, uma pequena ressalva a fazer. Nestas viagens pode ficar-se agarrado a um determinado momento, do qual não nos conseguimos libertar. As origens das psicoses estão no passado, segundo dizia Freud. Encerrar qualquer capítulo da nossa vida que nos tolda a existência é, por isso, a conquista final. Sendo esta apenas uma forma de arrumar e ordenar o caos, é preciso perceber que não há forma de esquecer nada, fazer de conta que não existe. Esse é o peso das pedras que nos constituem São impossíveis de retirar sem que se crie um novo Ser. E isso ninguém quer. Perder a identidade significa perder aquilo que somos. Esse é o desespero da personagem que Umberto Eco retrata no seu livro e que se torna o nosso quando pensamos o que seria se sucedesse connosco.


Filipe Pinto.
publicado por armando ésse às 15:36

Maio 13 2006

O actor americano Tom Hanks entrou sexta-feira para o livro Guinness de recordes por ter protagonizado sete filmes consecutivos que obtiveram mais de 100 milhões de dólares de receitas nos Estados Unidos.
Segundo o editor do Guinness trata-se de filmes entre os anos de 1998 e 2002. O anúncio acontece menos de uma semana antes da estreia do filme adaptado da livro "O Código da Vinci", no qual Tom Hanks, de 49 anos, desempenha o papel principal.
O Guinness contabilizou filmes de animação aos quais o actor deu a voz, como "Toy Story 2".(Lusa).

Tom Hanks nasceu a 9 de Julho de 1956, na Califórnia (EUA). Iniciou a sua carreira no teatro, tendo representado sobretudo peças de repertório clássico. Em 1980, começou a ser notado a partir da série cómica de televisão Bosom Budies. Durante os anos 80, fez várias comédias românticas e dramas ligeiros, como Splash (1984), Big (1988), The Money Pit (1986), Dragnet (1987) e Turner & Hooch (1989).
A partir dos anos 90, teve a oportunidade de provar o seu talento ao interpretar o papel de um advogado infectado com o vírus do SIDA em Philadelphia (1993), risco recompensado com o Óscar de melhor actor. A partir de então, a sua carreira seguiu um novo rumo.
A sua filmografia inclui ainda A League of Their Own (1992), A Sleepless in Seattle (1993), Forrest Gump (1994), com o qual conquistou o seu segundo Óscar de Melhor Actor, Apollo 13 (1995), O Resgate do Soldado Ryan (1998), You’ve Got Mail (1998), À Espera de um Milagre (1999),O Naúfrago (2000), Band of Brothers (2001, mini-série), America: A Tribute to Heroes (2001, televisão), Caminho Para a Perdição (2002), Apanha-me Se Puderes (2002), O Quinteto da Morte (2004) e Terminal de Aeroporto (2004).
Em 2001, foi galardoado com o Prémio do American Film Institute, pela sua dedicação à sétima arte.
publicado por armando ésse às 21:06
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Maio 13 2006

O actor americano Tom Hanks entrou sexta-feira para o livro Guinness de recordes por ter protagonizado sete filmes consecutivos que obtiveram mais de 100 milhões de dólares de receitas nos Estados Unidos.
Segundo o editor do Guinness trata-se de filmes entre os anos de 1998 e 2002. O anúncio acontece menos de uma semana antes da estreia do filme adaptado da livro "O Código da Vinci", no qual Tom Hanks, de 49 anos, desempenha o papel principal.
O Guinness contabilizou filmes de animação aos quais o actor deu a voz, como "Toy Story 2".(Lusa).

Tom Hanks nasceu a 9 de Julho de 1956, na Califórnia (EUA). Iniciou a sua carreira no teatro, tendo representado sobretudo peças de repertório clássico. Em 1980, começou a ser notado a partir da série cómica de televisão Bosom Budies. Durante os anos 80, fez várias comédias românticas e dramas ligeiros, como Splash (1984), Big (1988), The Money Pit (1986), Dragnet (1987) e Turner & Hooch (1989).
A partir dos anos 90, teve a oportunidade de provar o seu talento ao interpretar o papel de um advogado infectado com o vírus do SIDA em Philadelphia (1993), risco recompensado com o Óscar de melhor actor. A partir de então, a sua carreira seguiu um novo rumo.
A sua filmografia inclui ainda A League of Their Own (1992), A Sleepless in Seattle (1993), Forrest Gump (1994), com o qual conquistou o seu segundo Óscar de Melhor Actor, Apollo 13 (1995), O Resgate do Soldado Ryan (1998), You’ve Got Mail (1998), À Espera de um Milagre (1999),O Naúfrago (2000), Band of Brothers (2001, mini-série), America: A Tribute to Heroes (2001, televisão), Caminho Para a Perdição (2002), Apanha-me Se Puderes (2002), O Quinteto da Morte (2004) e Terminal de Aeroporto (2004).
Em 2001, foi galardoado com o Prémio do American Film Institute, pela sua dedicação à sétima arte.
publicado por armando ésse às 21:06
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Maio 11 2006
A condição portuguesa deve-se, também, a um grosseiro cálculo geográfico. Na realidade não existem cinco continentes mais sim seis, sendo Portugal um deles, senão vejamos: estamos rodeados de mar por dois lados e de civilização e desenvolvimento pelos outros. Somos pois um conclave, uma marquise samaritana. Nas marquises lava-se roupa, assa-se um frango, guarda-se o lixo até ser hora de o colocar na rua e outras coisas que tais. Difícil é imaginar alguém a elaborar uma tese de doutoramento ou a reescrever o código penal nesse compartimento ao som do Pequenito Saúl. Uma marquise.
Deus teve sempre, de facto, uma relação estranhíssima com Portugal. Há até defensores, à esquerda e à direita, da teoria que existe um céu e um inferno só para portugueses. Ao que parece, tanto o inferno como o céu para portugueses são anexos aos respectivos edifícios principais, pois quando as casas-mãe foram criadas, Deus nunca pensou que Portugal vingasse. Vingou (ainda que mal), e foram por isso feitos estes dois aumentos.

A teoria da direita portuguesa é que o céu é uma grande torre (tipo as das Amoreiras), sendo que os moradores dos últimos andares já usufruem de benefícios fiscais. São Pedro está à porta vestido pela Prada e dá ordens por telemóvel para os ascensoristas do edifício. No interior há champanhe, posters gigantes de Cascais, livros assinados pelo António Sala e ligações em directo para a TVI. Isto tudo com consumo mínimo, é claro.
O céu português segundo a visão dos esquerdistas é um pouco diferente. São Pedro continua a estar à porta mas em vez de ter uma chave na mão, ostenta uma foice e bebe vinho americano. O edifício celeste é agora um bunker profundo onde se ouve constantemente Trio Odemira e frases como: “Força camarada”, “Venceremos” e “Onde estão as azeitonas?”.
Também em relação ao inferno as opiniões de ambas as facções são diferentes. Para a direita, o inferno situa-se na Quinta da Atalaia e tem à porta a inscrição “Querida Sanzala”. Os trabalhos forçados são constantes e duros: comer com os cotovelos em cima da mesa (para aqueles que cometeram pecados leves) e conduzir carros com menos de 3000 de cilindrada (para os mais mal comportados). Em casos de maldade extrema os prevaricadores (ex-prevaricadores porque já estão mortos) são sujeitos a duas sessões diárias de filmes do Lauro António.
Tudo é diferente no céu da esquerda. Há raves e muita loucura. Às sextas Judas Iscariotes é o DJ de serviço, sendo que passa maioritariamente Marilyn Manson e discursos de Fidel Castro. “Highway to Hell” é o tema de abertura todas as noites, seguindo-se vários bacanais ao som, ou não, de Jimi Hendrix. Salazar é o mestre-de-cerimónias ao sábado, passando somente músicas de Frei Hermano da Câmara (aquele a quem o Sr. Dr. apelida de “Jim Morrisson gregoriano”.

Por falar nisso, Jim Morrisson esteve com concerto marcado por duas vezes mas o coma alcoólico falou mais alto e em vez disso passaram em reverse cassetes do Marco Paulo, que segundo os especialistas, contêm poderosas mensagens satânicas. Satanás é que (e agora espantem-se) não está no inferno. Ao que parece desceu à terra e diverte-se ora a marcar golos ao Benfica ora a desgraçar o orçamento de estado.
Falando em Benfica, tenho de falar de Deus. Deus, como sabem, é benfiquista e, segundo um anónimo da Trafaria, terá até, em tempos idos, jogado a ponta esquerda nos juniores. Sendo isso altamente improvável, continuarei. Além de benfiquista, Deus é também de direita. Para tal confirmar tal facto, basta ler a passagem dos Génesis referente à Torre de Babel. Depois de ver tal cenário, o Criador terá pensado “Esses gajos estão muito unidos e qualquer dia quotizam-se e formam um sindicato. TOCA A SEPARAR!”
E assim foi. Separados até aos dias de hoje. Na verdade os únicos Génesis que aprecio são os do Peter Gabriel e mesmo esses separaram-se, vá-se lá saber se inspirados pelo divino livro ou prevendo já as letras da música a solo do seu baterista Phil Collins. Canções como “Separate Lives” ou “Sussudio” (que ninguém percebe o que é) podem ter pesado na decisão.
Outro grande problema de Portugal é o facto da psicanálise não ser retroactiva. Passamos os dias a recordar os erros do passado, mas estamos sempre à espera de uma oportunidade para fazermos asneira outra vez. Somos de meio-termo, pouco ousados. Portugal é como um indivíduo que, cheio de confiança, ganha balanço e escarra para o chão.

O que acontece no caso português é que, quase sempre, a excreção fica pendurada por um fio de saliva, num vai e vem entre o chão e a boca. E então aí, o que fazemos? Pomo-nos a pensar. “E agora? Cuspo outra vez para ver se isto sai? Engulo? Finjo que estou a fazer de Alien numa gravação do TV Rural?”. Ida a coragem para a valeta, o português é dos que prefere engolir, saboreando a doce merenda do medo.
Deus fez os Snacks-bar, mas os portugueses, mais uma vez iluminados por um oportunismo e lucidez brilhantes, decidiram chamar-lhes Café. “Vou ao café”, dizem. Supor que se deve chamar café a um local, somente devido ao facto da bebida que aí mais se vende ser o néctar desse vegetal, é tão racional como dizer “Vou ao Aulin”, quando se vai a uma farmácia ou “Vou ao sexo” quando se sai para beber uma cerveja com os amigos. Os Snacks-bar portugueses são também uma coisa estranha. Basta entrar num desses locais num dia de Verão para compreender o seguinte:
- A Feira do Fumeiro não tem lugar em Montalegre mas sim nos sovacos do empregado de mesa.
- O apelido desses mesmos empregados é quase sempre Psssssstt (da grande família dos Psssssst portugueses).
- Há sempre uma cuspideira regurgitante vinda de uma diabética sentada na mesa três que se engasgou com um croissant com chocolate.
- Obrigado é uma palavra rude.
Posto isto, acabarei com algumas perguntas:
- Onde falhou Deus para ter criado Portugal?
- Porque respiram os portugueses?
- Porque é que o Mantorras só joga 7 minutos e meio?

Hugo Machado
publicado por armando ésse às 08:03

Maio 11 2006
A condição portuguesa deve-se, também, a um grosseiro cálculo geográfico. Na realidade não existem cinco continentes mais sim seis, sendo Portugal um deles, senão vejamos: estamos rodeados de mar por dois lados e de civilização e desenvolvimento pelos outros. Somos pois um conclave, uma marquise samaritana. Nas marquises lava-se roupa, assa-se um frango, guarda-se o lixo até ser hora de o colocar na rua e outras coisas que tais. Difícil é imaginar alguém a elaborar uma tese de doutoramento ou a reescrever o código penal nesse compartimento ao som do Pequenito Saúl. Uma marquise.
Deus teve sempre, de facto, uma relação estranhíssima com Portugal. Há até defensores, à esquerda e à direita, da teoria que existe um céu e um inferno só para portugueses. Ao que parece, tanto o inferno como o céu para portugueses são anexos aos respectivos edifícios principais, pois quando as casas-mãe foram criadas, Deus nunca pensou que Portugal vingasse. Vingou (ainda que mal), e foram por isso feitos estes dois aumentos.

A teoria da direita portuguesa é que o céu é uma grande torre (tipo as das Amoreiras), sendo que os moradores dos últimos andares já usufruem de benefícios fiscais. São Pedro está à porta vestido pela Prada e dá ordens por telemóvel para os ascensoristas do edifício. No interior há champanhe, posters gigantes de Cascais, livros assinados pelo António Sala e ligações em directo para a TVI. Isto tudo com consumo mínimo, é claro.
O céu português segundo a visão dos esquerdistas é um pouco diferente. São Pedro continua a estar à porta mas em vez de ter uma chave na mão, ostenta uma foice e bebe vinho americano. O edifício celeste é agora um bunker profundo onde se ouve constantemente Trio Odemira e frases como: “Força camarada”, “Venceremos” e “Onde estão as azeitonas?”.
Também em relação ao inferno as opiniões de ambas as facções são diferentes. Para a direita, o inferno situa-se na Quinta da Atalaia e tem à porta a inscrição “Querida Sanzala”. Os trabalhos forçados são constantes e duros: comer com os cotovelos em cima da mesa (para aqueles que cometeram pecados leves) e conduzir carros com menos de 3000 de cilindrada (para os mais mal comportados). Em casos de maldade extrema os prevaricadores (ex-prevaricadores porque já estão mortos) são sujeitos a duas sessões diárias de filmes do Lauro António.
Tudo é diferente no céu da esquerda. Há raves e muita loucura. Às sextas Judas Iscariotes é o DJ de serviço, sendo que passa maioritariamente Marilyn Manson e discursos de Fidel Castro. “Highway to Hell” é o tema de abertura todas as noites, seguindo-se vários bacanais ao som, ou não, de Jimi Hendrix. Salazar é o mestre-de-cerimónias ao sábado, passando somente músicas de Frei Hermano da Câmara (aquele a quem o Sr. Dr. apelida de “Jim Morrisson gregoriano”.

Por falar nisso, Jim Morrisson esteve com concerto marcado por duas vezes mas o coma alcoólico falou mais alto e em vez disso passaram em reverse cassetes do Marco Paulo, que segundo os especialistas, contêm poderosas mensagens satânicas. Satanás é que (e agora espantem-se) não está no inferno. Ao que parece desceu à terra e diverte-se ora a marcar golos ao Benfica ora a desgraçar o orçamento de estado.
Falando em Benfica, tenho de falar de Deus. Deus, como sabem, é benfiquista e, segundo um anónimo da Trafaria, terá até, em tempos idos, jogado a ponta esquerda nos juniores. Sendo isso altamente improvável, continuarei. Além de benfiquista, Deus é também de direita. Para tal confirmar tal facto, basta ler a passagem dos Génesis referente à Torre de Babel. Depois de ver tal cenário, o Criador terá pensado “Esses gajos estão muito unidos e qualquer dia quotizam-se e formam um sindicato. TOCA A SEPARAR!”
E assim foi. Separados até aos dias de hoje. Na verdade os únicos Génesis que aprecio são os do Peter Gabriel e mesmo esses separaram-se, vá-se lá saber se inspirados pelo divino livro ou prevendo já as letras da música a solo do seu baterista Phil Collins. Canções como “Separate Lives” ou “Sussudio” (que ninguém percebe o que é) podem ter pesado na decisão.
Outro grande problema de Portugal é o facto da psicanálise não ser retroactiva. Passamos os dias a recordar os erros do passado, mas estamos sempre à espera de uma oportunidade para fazermos asneira outra vez. Somos de meio-termo, pouco ousados. Portugal é como um indivíduo que, cheio de confiança, ganha balanço e escarra para o chão.

O que acontece no caso português é que, quase sempre, a excreção fica pendurada por um fio de saliva, num vai e vem entre o chão e a boca. E então aí, o que fazemos? Pomo-nos a pensar. “E agora? Cuspo outra vez para ver se isto sai? Engulo? Finjo que estou a fazer de Alien numa gravação do TV Rural?”. Ida a coragem para a valeta, o português é dos que prefere engolir, saboreando a doce merenda do medo.
Deus fez os Snacks-bar, mas os portugueses, mais uma vez iluminados por um oportunismo e lucidez brilhantes, decidiram chamar-lhes Café. “Vou ao café”, dizem. Supor que se deve chamar café a um local, somente devido ao facto da bebida que aí mais se vende ser o néctar desse vegetal, é tão racional como dizer “Vou ao Aulin”, quando se vai a uma farmácia ou “Vou ao sexo” quando se sai para beber uma cerveja com os amigos. Os Snacks-bar portugueses são também uma coisa estranha. Basta entrar num desses locais num dia de Verão para compreender o seguinte:
- A Feira do Fumeiro não tem lugar em Montalegre mas sim nos sovacos do empregado de mesa.
- O apelido desses mesmos empregados é quase sempre Psssssstt (da grande família dos Psssssst portugueses).
- Há sempre uma cuspideira regurgitante vinda de uma diabética sentada na mesa três que se engasgou com um croissant com chocolate.
- Obrigado é uma palavra rude.
Posto isto, acabarei com algumas perguntas:
- Onde falhou Deus para ter criado Portugal?
- Porque respiram os portugueses?
- Porque é que o Mantorras só joga 7 minutos e meio?

Hugo Machado
publicado por armando ésse às 08:03

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