A FÁBRICA

Abril 30 2008

Dois dos três morreram depois da minha partida de Oxford, e isso faz-me pensar, supersticiosamente, que talvez tivesse esperado que eu lá chegasse e consumisse o meu tempo para me darem a possibilidade de os conhecer e deles poder falar agora. Portanto, pode acontecer que – sempre supersticiosamente – esteja forçado a falar deles. Só morreram depois de eu ter deixado de contactar com eles. Se tivesse continuado nas suas vidas e em Oxford (se tivesse continuado nas suas vidas quotidianamente), talvez ainda estivessem vivos. Este pensamento não é apenas supersticioso, também é vaidoso. Mas para falar deles tenho de falar também de mim, e da minha estada na cidade de Oxford. Se bem que aquele que fala não seja o mesmo que lá esteve. Parece, mas não é o mesmo. Se me trato por eu, ou se utilizo um nome que me tem acompanhado desde o nascimento e por que alguns me recordarão, ou se conto coisas que coincidem com coisas que outros me atribuíram, ou se chamo minha casa à casa que antes e depois foi ocupada por outros mas eu habitei durante dois anos, é apenas porque prefiro falar na primeira pessoa, e não porque creia que basta a faculdade da memória para que alguém continue a ser o mesmo em tempos distintos e em espaços distintos. Aquele que aqui conta o que viu e aconteceu não é o que viu isso e a quem aconteceu, nem sequer o seu prolongamento, nem a sua sombra, nem o seu herdeiro, nem o seu usurpador.
A minha casa tinha três pisos e era piramidal e eu passava muito tempo nela, uma vez que as minhas obrigações na cidade de Oxford eram praticamente nulas ou inexistentes. Efectivamente, Oxford é, sem dúvida, uma das cidades do mundo onde menos se trabalha, e nela é muito mais decisivo o facto de estar do que o fazer e mesmo o de actuar. Estar lá requer tanta concentração e tanta paciência, e exige tanto esforço lutar contra a natural letargia do espírito, que seria uma exigência despropositada querer ainda que os seus habitantes se mostrassem activos, sobretudo em público, apesar de alguns colegas costumarem efectuar as suas deslocações sempre a correr para darem a impressão de perpétuo afogo e ocupação extrema nos intervalos entre aulas, as quais, contudo, haviam decorrido ou haveriam de decorrer no mais absoluto sossego e despreocupação, como parte que são do estar e do fazer e nem sequer do actuar.
1ª Página do livro, Todas as Almas, de Javier Marías, Publicações Dom Quixote, 1ª edição, Fevereiro de 2002.

Nota: O escritor Javier Marías entrou, no passado dia 27 de Abril para a Real Academia Espanhola da Língua, no discurso de boas-vindas, feito pelo o académico Francisco Rico, o orador disse entre outras coisas, que o “prepotente olhar do narrador” que há nos romances de Javier Marías encontra-se logo nas primeiras linhas de “Todas as Almas”, que está, segundo Francisco Rico, “entre a dúzia de começos mais memoráveis de toda a novelística espanhola”. Fica registado, mas esta nota não é importante para ler o livro.
publicado por armando ésse às 08:53

Abril 30 2008

Dois dos três morreram depois da minha partida de Oxford, e isso faz-me pensar, supersticiosamente, que talvez tivesse esperado que eu lá chegasse e consumisse o meu tempo para me darem a possibilidade de os conhecer e deles poder falar agora. Portanto, pode acontecer que – sempre supersticiosamente – esteja forçado a falar deles. Só morreram depois de eu ter deixado de contactar com eles. Se tivesse continuado nas suas vidas e em Oxford (se tivesse continuado nas suas vidas quotidianamente), talvez ainda estivessem vivos. Este pensamento não é apenas supersticioso, também é vaidoso. Mas para falar deles tenho de falar também de mim, e da minha estada na cidade de Oxford. Se bem que aquele que fala não seja o mesmo que lá esteve. Parece, mas não é o mesmo. Se me trato por eu, ou se utilizo um nome que me tem acompanhado desde o nascimento e por que alguns me recordarão, ou se conto coisas que coincidem com coisas que outros me atribuíram, ou se chamo minha casa à casa que antes e depois foi ocupada por outros mas eu habitei durante dois anos, é apenas porque prefiro falar na primeira pessoa, e não porque creia que basta a faculdade da memória para que alguém continue a ser o mesmo em tempos distintos e em espaços distintos. Aquele que aqui conta o que viu e aconteceu não é o que viu isso e a quem aconteceu, nem sequer o seu prolongamento, nem a sua sombra, nem o seu herdeiro, nem o seu usurpador.
A minha casa tinha três pisos e era piramidal e eu passava muito tempo nela, uma vez que as minhas obrigações na cidade de Oxford eram praticamente nulas ou inexistentes. Efectivamente, Oxford é, sem dúvida, uma das cidades do mundo onde menos se trabalha, e nela é muito mais decisivo o facto de estar do que o fazer e mesmo o de actuar. Estar lá requer tanta concentração e tanta paciência, e exige tanto esforço lutar contra a natural letargia do espírito, que seria uma exigência despropositada querer ainda que os seus habitantes se mostrassem activos, sobretudo em público, apesar de alguns colegas costumarem efectuar as suas deslocações sempre a correr para darem a impressão de perpétuo afogo e ocupação extrema nos intervalos entre aulas, as quais, contudo, haviam decorrido ou haveriam de decorrer no mais absoluto sossego e despreocupação, como parte que são do estar e do fazer e nem sequer do actuar.
1ª Página do livro, Todas as Almas, de Javier Marías, Publicações Dom Quixote, 1ª edição, Fevereiro de 2002.

Nota: O escritor Javier Marías entrou, no passado dia 27 de Abril para a Real Academia Espanhola da Língua, no discurso de boas-vindas, feito pelo o académico Francisco Rico, o orador disse entre outras coisas, que o “prepotente olhar do narrador” que há nos romances de Javier Marías encontra-se logo nas primeiras linhas de “Todas as Almas”, que está, segundo Francisco Rico, “entre a dúzia de começos mais memoráveis de toda a novelística espanhola”. Fica registado, mas esta nota não é importante para ler o livro.
publicado por armando ésse às 08:53

Abril 30 2008

Albert Hofman, o herói dos “hippies” e da “flower power generation”, morreu ontem de ataque cardíaco em sua casa, contava 102 anos de idade, noticia a agência Lusa.
A sua morte foi hoje confirmada à agência Associated Press por Doris Stuker, um residente da aldeia de Burg im Leimental, aldeia dos montes Jura para onde Hofman se retirou quando se reformou em 1971.
Como noticiado aqui, Hofman, tornou-se mundialmente famoso com a descoberta da droga alucinogénia LSD (dietilamida do ácido lisérgico). Aparentemente, os laboratórios não encontraram qualquer utilidade prática para o composto, que teria caído no esquecimento se o próprio Hofman não o tivesse tomado involuntariamente durante uma experiência laboratorial a 16 de Abril de 1943.
"Tive de interromper o trabalho e ir para casa porque senti subitamente uma sensação de desassossego e de ligeira tontura", escreveu posteriormente num relatório aos seus chefes na Sandoz.
"Tudo o que via estava distorcido como num espelho deformado", lê-se na descrição da sua viagem de bicicleta do laboratório até casa, onde se sentou num divã e começou a sentir aquilo a que chamou uma "visão". "O que estava a pensar aparecia-me em cores e imagens", afirmou numa entrevista à televisão suíça SF DRS quando fez 100 anos: "Durou duas horas e depois desapareceu". Três dias depois, Hofman repetiu a experiência com uma dose maior: o resultado foi uma viagem de terror. "A substância que queria experimentar tomou conta de mim. Fui acometido por um medo avassalador que me enlouquecia. Fui transportado para um mundo diferente, um tempo diferente", escreveu.
O LSD alcançou fama internacional no final dos anos 50 e 60 graças ao professor de Harvard Timothy Leary, que defendeu o seu uso, e a numerosos músicos pop e até estrelas de cinema como Cary Grant que viram nela um meio de autodescoberta e auto-esclarecimento.
Mas à parte as "viagens" psicadélicas da geração hippy dos anos 60, sucederam-se histórias de terror de crimes e de pessoas que se atiravam de janelas sob o efeito de alucinações, bem como casos de danos psicológicos permanentes em grandes consumidores.
O governo norte-americano proibiu o LSD em 1966, uma decisão seguida depois pelos outros países.Hofman discordou, alegando que a droga não causa habituação.
Além disso, insistiu repetidas vezes que o LSD poderia dar uma importante contribuição para a investigação psiquiátrica.
publicado por armando ésse às 08:46

Abril 30 2008

Albert Hofman, o herói dos “hippies” e da “flower power generation”, morreu ontem de ataque cardíaco em sua casa, contava 102 anos de idade, noticia a agência Lusa.
A sua morte foi hoje confirmada à agência Associated Press por Doris Stuker, um residente da aldeia de Burg im Leimental, aldeia dos montes Jura para onde Hofman se retirou quando se reformou em 1971.
Como noticiado aqui, Hofman, tornou-se mundialmente famoso com a descoberta da droga alucinogénia LSD (dietilamida do ácido lisérgico). Aparentemente, os laboratórios não encontraram qualquer utilidade prática para o composto, que teria caído no esquecimento se o próprio Hofman não o tivesse tomado involuntariamente durante uma experiência laboratorial a 16 de Abril de 1943.
"Tive de interromper o trabalho e ir para casa porque senti subitamente uma sensação de desassossego e de ligeira tontura", escreveu posteriormente num relatório aos seus chefes na Sandoz.
"Tudo o que via estava distorcido como num espelho deformado", lê-se na descrição da sua viagem de bicicleta do laboratório até casa, onde se sentou num divã e começou a sentir aquilo a que chamou uma "visão". "O que estava a pensar aparecia-me em cores e imagens", afirmou numa entrevista à televisão suíça SF DRS quando fez 100 anos: "Durou duas horas e depois desapareceu". Três dias depois, Hofman repetiu a experiência com uma dose maior: o resultado foi uma viagem de terror. "A substância que queria experimentar tomou conta de mim. Fui acometido por um medo avassalador que me enlouquecia. Fui transportado para um mundo diferente, um tempo diferente", escreveu.
O LSD alcançou fama internacional no final dos anos 50 e 60 graças ao professor de Harvard Timothy Leary, que defendeu o seu uso, e a numerosos músicos pop e até estrelas de cinema como Cary Grant que viram nela um meio de autodescoberta e auto-esclarecimento.
Mas à parte as "viagens" psicadélicas da geração hippy dos anos 60, sucederam-se histórias de terror de crimes e de pessoas que se atiravam de janelas sob o efeito de alucinações, bem como casos de danos psicológicos permanentes em grandes consumidores.
O governo norte-americano proibiu o LSD em 1966, uma decisão seguida depois pelos outros países.Hofman discordou, alegando que a droga não causa habituação.
Além disso, insistiu repetidas vezes que o LSD poderia dar uma importante contribuição para a investigação psiquiátrica.
publicado por armando ésse às 08:46

Abril 30 2008
Amnesty International: Silenced
.
Your signature has the power.

Advertising Agency: TBWA Paris, France
Creative Director: Erik Vervroegen
Art Directors: Jessica Gérard-Huet, Marianne Fonferrier
.
As vossas assinaturas têm poder.
publicado por armando ésse às 08:45

Abril 30 2008
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As vossas assinaturas têm poder.
publicado por armando ésse às 08:45

Abril 29 2008

Se realmente estão interessados nisto, a primeira coisa que desejarão saber é o local onde nasci, o modo como passei a minha estúpida infância, a ocupação de meus pais, o que faziam antes de eu nascer, e tudo o mais, como se se tratasse de David Copperfield. Mas eu não estou com disposição para isso, se, de facto, querem que vos conte a verdade.
Em primeiro lugar, essas coisas aborrecem-me, e, em segundo lugar, os meus pais teriam duas hemorragias cerebrais se eu revelasse qualquer facto pessoal que lhes dissesse respeito. São muito sensíveis quanto a essas coisas; especialmente o meu pai. Não digo que não sejam boas pessoas, mas são sensíveis como os diabos. Além disso, não vos vou fazer a minha autobiografia ou coisa semelhante. Só vos falarei do que se passou comigo durante o passado Natal, antes de ficar um pouco confuso e de ter de vir para aqui. Aliás, será tudo o que já contei a D.B. E ele é meu irmão. Vive em Hollywood, que não fica muito longe desta bodega, e vem visitar-me praticamente todas as semanas. É ele quem me levará quando eu for para casa, talvez para o mês que vem. Comprou um Jaguar há pouco tempo, um desses carros ingleses que conseguem fazer cento e cinquenta quilómetros por hora. Custou-lhe perto de quatro mil dólares. Mas ele agora tem massa. Antigamente não tinha. Quando vivia connosco não passava de um escritor vulgar. Escreveu um livro de contos terrível – O Peixe Secreto -, em que talvez nunca tenham ouvido falar. O melhor conto era exactamente O Peixe Secreto. Tratava-se de um rapaz que não permitia que ninguém contemplasse o seu peixe, porque o comprara com as suas economias. Esse conto ia-me matando. Agora o meu irmão, o D. B., está em Hollywood e é uma espécie de prostituta. Se há coisas que eu odeie, o cinema é uma delas. Será preferível nunca me falarem nele.
1º Página do livro, Uma Agulha No Palheiro, de J. D. Salinger, Livros Brasil.

Nota: Os tradutores sempre tiveram muita dificuldade em encontrarem uma "forma suficientemente alusiva" para traduzirem para português o título original, da obra de J. D. Salinger, The Catcher in the Rye.
Durante muitos anos, a tradução foi sempre, Uma Agulha no Palheiro, nomeadamente quando esta obra era referida no cinema. No entanto, isso não impediu a Difel de lançar em 2005, uma edição do livro de J.D. Salinger com o título em português, À Espera no Centeio. Não sei se a primeira página deste livro, é igual à do post.
publicado por armando ésse às 09:17

Abril 29 2008

Se realmente estão interessados nisto, a primeira coisa que desejarão saber é o local onde nasci, o modo como passei a minha estúpida infância, a ocupação de meus pais, o que faziam antes de eu nascer, e tudo o mais, como se se tratasse de David Copperfield. Mas eu não estou com disposição para isso, se, de facto, querem que vos conte a verdade.
Em primeiro lugar, essas coisas aborrecem-me, e, em segundo lugar, os meus pais teriam duas hemorragias cerebrais se eu revelasse qualquer facto pessoal que lhes dissesse respeito. São muito sensíveis quanto a essas coisas; especialmente o meu pai. Não digo que não sejam boas pessoas, mas são sensíveis como os diabos. Além disso, não vos vou fazer a minha autobiografia ou coisa semelhante. Só vos falarei do que se passou comigo durante o passado Natal, antes de ficar um pouco confuso e de ter de vir para aqui. Aliás, será tudo o que já contei a D.B. E ele é meu irmão. Vive em Hollywood, que não fica muito longe desta bodega, e vem visitar-me praticamente todas as semanas. É ele quem me levará quando eu for para casa, talvez para o mês que vem. Comprou um Jaguar há pouco tempo, um desses carros ingleses que conseguem fazer cento e cinquenta quilómetros por hora. Custou-lhe perto de quatro mil dólares. Mas ele agora tem massa. Antigamente não tinha. Quando vivia connosco não passava de um escritor vulgar. Escreveu um livro de contos terrível – O Peixe Secreto -, em que talvez nunca tenham ouvido falar. O melhor conto era exactamente O Peixe Secreto. Tratava-se de um rapaz que não permitia que ninguém contemplasse o seu peixe, porque o comprara com as suas economias. Esse conto ia-me matando. Agora o meu irmão, o D. B., está em Hollywood e é uma espécie de prostituta. Se há coisas que eu odeie, o cinema é uma delas. Será preferível nunca me falarem nele.
1º Página do livro, Uma Agulha No Palheiro, de J. D. Salinger, Livros Brasil.

Nota: Os tradutores sempre tiveram muita dificuldade em encontrarem uma "forma suficientemente alusiva" para traduzirem para português o título original, da obra de J. D. Salinger, The Catcher in the Rye.
Durante muitos anos, a tradução foi sempre, Uma Agulha no Palheiro, nomeadamente quando esta obra era referida no cinema. No entanto, isso não impediu a Difel de lançar em 2005, uma edição do livro de J.D. Salinger com o título em português, À Espera no Centeio. Não sei se a primeira página deste livro, é igual à do post.
publicado por armando ésse às 09:17

Abril 29 2008

AMAM - Association of Women Against Genital Mutilation: Plastic doll
.
More than 140 million women in the world are condemned to feel nothing.
.
Advertising Agency: Contrapunto BBDO, Barcelona, Spain
Creative Director: Tomas Oliva, Carlos De Javier
Art Director: Lucas Jatobá
Copywriter: Marta Caseny
Photographers: Corbis, Carles Nin, Eduardo Colesi
Post Production: Albert Fornos
.
Mais de 140 milhões de mulheres no mundo estão condenadas a não sentir nada.
publicado por armando ésse às 07:58

Abril 29 2008

AMAM - Association of Women Against Genital Mutilation: Plastic doll
.
More than 140 million women in the world are condemned to feel nothing.
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Advertising Agency: Contrapunto BBDO, Barcelona, Spain
Creative Director: Tomas Oliva, Carlos De Javier
Art Director: Lucas Jatobá
Copywriter: Marta Caseny
Photographers: Corbis, Carles Nin, Eduardo Colesi
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Mais de 140 milhões de mulheres no mundo estão condenadas a não sentir nada.
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