Agora é sexta-feira e estamos no escritório do xerife. Parece uma sexta-feira na escola ou coisa do género. Escola – é melhor nem falar nessa merda.
Estou sentado à espera entre raios de luz que entram por várias portas seguidas, despido, só com uns sapatos, e com a roupa interior de quinta-feira. Parece que sou o primeiro que apanharam até agora. Não estou metido em sarilhos, não pensem mal de mim. Não tive nada a ver com o que aconteceu na terça-feira. Mas, mesmo assim, não iam querer estar aqui. Faz lembrar o Clarence Não-Sei-Quantos, aquele velho negro que apareceu nas notícias no Inverno passado. Foi o tarado que adormeceu nesta sala de madeira, mesmo à frente da câmara. Disseram nas notícias que isso mostrava quão pouco ele se importava com os efeitos dos seus crimes. O velho Clarence-Não-Sei-Quantos foi rapado como um animal e vestido com aquelas fardas de hospitais que vestem aos malucos, com óculos de fundo de garrafa e tudo, aqueles óculos que costumam usar pessoas que quase só têm gengivas e não têm dentes. Fizeram uma jaula no tribunal para o meterem lá dentro e condenaram-no à morte.
1ª Página do livro, Vernon Little, O Bode Expiatório, de DBC Pierce, Gradiva, 1ª edição Dezembro de 2003.
Nota: DBC Pierce não fez a coisa por menos, no seu primeiro romance, ganhou o Booker Prize. O melhor resumo do livro, foi feito pelo escritor escocês Andrew O’Hagan, diz ele: “é como se os Osbournes convidassem os Simpsons para beberem umas cervejas e aparecesse por lá o Don DeLillo para escrever uma nova música para o Eminem”.