Lióvuchka está agora a dormir e não vai acordar até ao nascer do dia. Há pouco tempo, o som cavo dos seus roncos fez-me atravessar o corredor até chegar ao quarto. Os roncos dele ressoam pela casa como uma porta que range, e os criados riem-se disso. “Lá está o velhote a serrar lenha”, é o que eles costumam dizer, mesmo à minha frente. Já não me respeitam, mas continuo a sorrir-lhes.
A forma como Lióvuchka ressona já não me incomoda, uma vez que dormimos agora em quarto separados. Quando dormíamos na mesma cama, ele tinha dentes, o que atenuava o ruído.
Seitei-me na cama pequena e estreita e puxei-lhe o cobertor, com motivos de chaves estampadas, até ao queixo. Ele sobressaltou-se e fez uma careta monstruosa, mas não acordou. Quase nada acorda Lev Tolstói. Tudo aquilo que ele faz, fá-lo por completo, quer seja a dormir, trabalhar, dançar, andar a cavalo ou a comer. Estão sempre a escrever sobre ele na imprensa. Até mesmo em Paris, os matutinos adoram todos os mexericos acerca dele, acerca de nós – verdadeiros ou falsos, isso não importa. “O que é que o conde Tolstói gosta de comer ao pequeno-almoço, condessa?”, perguntam eles, a fazerem fila no alpendre da frente para obterem entrevistas nos meses de Verão, quando o tempo em Tula faz desta localidade um destino muito agradável. “É ele quem corta o próprio cabelo? O que está ele agora a ler? Já lhe comprou um presente para comemorar o dia do santo dele?”
As perguntas não me incomodam. Forneço-lhes apenas o suficiente para os enviar de volta felizes. Lióvuchka parece não se importar. De qualquer forma, já não lê os artigos, mesmo quando os deixo na mesa ao lado do pequeno-almoço.”Não têm qualquer interesse”, diz ele. “Não sei por que é que alguém se dá ao trabalho de publicar esse lixo”.
No entanto, olha de relance para as fotografias. Há sempre um fotógrafo por aqui a tirar fotografias a tudo e a implorar por um retrato. Tcherkov é quem mais problemas causa. Pensa que é um artista com a câmara fotográfica, mas é tão absurdo com ela como é com tudo o resto.
1ª Página do livro, A Última Estação, de Jay Parini, Editorial Presença, 1ª edição, Dezembro de 2007.
Nota: Romance histórico baseado nos diários daqueles que integravam o círculo mais próximo de Lev Tolstói, o livro retrata o último ano de vida do famoso escritor.
Lev Nikolaievitch Tolstói, conde de Tolstói, nasceu no seio de uma família nobre, em Yasnaya Polyana, província de Tula, em 28 de Agosto de 1828.