Xan Meo foi ao Hollywood. E minutos depois, à velocidade da urgência e acompanhado pelos acordes estridentes do sofrimento electrificado, Xan Meo foi para o hospital. Por causa da violência masculina.
-Vou sair, eu – disse ele à sua esposa americana, Russia.
-Uh – disse ela, pronunciando como onde em francês.
-Não demoro. Eu dou-lhes banho. E também lhes leio uma história. Depois faço o jantar. A seguir ponho a louça na máquina. E a seguir dou-te uma boa massagem nas costas. Está bem assim?
-Posso ir também? – perguntou Russia.
-Acho que me apetece estar sozinho.
-Queres é ficar sozinho com a tua namorada.
Xan sabia que a acusação não era a sério. Mas odoptou uma expressão de agravo (um espessamento da fronte) e disse, não pela primeira vez e, tanto quanto sabia, com sinceridade: - Não tenho segredos para ti, pequena.
-Mm – disse ela oferecendo-lhe a face.
-Não sabes que dia é hoje?
-Oh. Claro.
O casal ficou a abraçar-se no pé-direito duplo da entrada. Depois o marido, com um movimento do braço, fez tilintar as chaves no bolso. A sua intenção semiconsciente foi mostrar impaciência por sair. Xan não concordaria publicamente, mas as mulheres gostam, por natureza, de prolongar as rotinas de partida. É o reverso do seu gosto por deixar pessoas à espera. Os homens não deviam importar-se com isso. Ser deixado à espera é uma compensação moderada pelos seus cinco milhões de anos no poder… Xan suspira agora baixinho e mais acima baixinho rangem escadas. Descia uma figura complexa, normal até à cintura mas com duas cabeças e quatro braços: a filha mais pequena de Meo, Sophie, colada ao flanco de Imaculada, a sua ama brasileira. Por trás delas, a uma distância ao mesmo tempo sonhadora e auto-suficiente, espreitava a de quatro anos, Billie.
1ª Página do livro, O Cão Amarelo, de Martin Amis, Editorial Teorema, 1ª edição, Agosto de 2004.
Nota: Martin Amis nasceu em Oxford, Inglaterra, a 25 de Agosto de 1949. Filho do escritor Kingsley Amis, autor vencedor de um Booker Prize.
Amis passou grande parte da sua juventude em Swansea, onde o seu pai leccionava. Mais tarde passou um ano em Princeton, antes de regressar a Inglaterra e depois em Cambridge. Aos 12 anos, depois do divórcio dos seus pais, Amis passou o ano seguinte na Ilha de Maiorca, Espanha, com a sua mãe e irmãos.
No anos seguinte regressou a Inglaterra, onde recebeu um papel para o filme A High Wind in Jamaica, ficando impedido de regressar à escola. Depois de a madrasta, a romancista Elizabeth Jane Howard, o introduzir às obras de Jane Austen, começou a preparar os requisitos de admissão para a Universidade de Oxford.
Em 1971, licenciou-se em Inglês com lugar no quadro de honra. Em 1971, recebeu uma proposta para crítico literário para o jornal London Observer e, nos oito anos seguintes, ocupou cargos editoriais em jornais como London Times Literary Supplement, New Statesman e London Observer, onde ocupou uma posição de escritor a partir de 1980.
Em 1980, depois de publicar três romances e vendido um argumento, Amis demitiu-se da sua posição editorial no New Statesman para escrever a tempo inteiro, apesar de continuar a publicar não-ficção em Inglaterra e América, incluindo críticas no Observer, The London Review of Books e New York Times Book Review.
As suas obras caracterizam-se pelo seu acerbado humor negro, incluindo-se entre elas The Rachel Papers (1973), um livro de memórias da adolescência contadas através de flashbacks, Dead Babies (1975), que trata a decadência e o sadismo, Money (1984), London Fields (1989), Time’s Arrow (1991), um romance muito apreciado que fala sobre os campos de morte nazis, Água Pesada (1999) e Experiência (2000), uma autobiografia do escritor, The War Against Cliché (2001), Koba o Terrível (2002), On Modern British Fiction (2002), O Cão Amarelo (2003), Vintage Amis (2003), House of Meetings (2006) e The Pregnant Widow (2007).