A FÁBRICA

Maio 03 2008

De manhã o general demorou-se muito na cave do lagar. Foi para a vinha de madrugada, com o vinhateiro, porque dois barris do seu vinho tinham começado a fermentar. Já passava das onze quando acabou o engarrafamento e voltou para casa. Debaixo das colunas do pórtico, cheio de bolor devido às pedras húmidas, esperava o guarda-caça que entregou uma carta ao seu senhor que chegava.
- Que queres? – disse ele, parando com um ar aborrecido. Puxou para trás o seu chapéu de palha, cuja aba larga lhe ensombrava inteiramente o rosto encarnado. Há alguns anos que não abria nem lia cartas. Um feitor abria e seleccionava a correspondência no escritório do caseiro.
-Trouxe-a um mensageiro – disse o guarda-caça que aguardava hirto.
O general reconheceu a letra, pegou na carta e meteu-a no bolso. Entrou no vestíbulo fresco e em silêncio entregou o chapéu e a bengala ao guarda-caça. Procurou os óculos no bolso interior, aproximou-se da janela e, na penumbra, à luz que vinha das frestas das persianas semicerradas, começou a ler a carta.
-espera – disse por cima dos ombros ao guarda-caça que se apresentava a partir com o chapéu e a bengala.
Enfiou a carta no bolso.
-Diz ao Kálmán que prepare o coche para seis. O landau, porque vai chover. Que ponha a libré de gala. Tu também – disse com uma ênfase inesperada, como se alguma coisa o tivesse enfurecido.
- Quero tudo a brilhar. Comecem imediatamente a limpar o coche e a ferramenta. Vestes a libré, percebes? E sentas-te na boleia, junto ao Kálmán.
-Percebo, Excelência – respondeu o guarda-caça, olhando fixamente o patrão. – Para as seis.
- Vão partir às seis e meia – disse o general e movia os lábios silenciosamente como se fizesse cálculos. – Apresentas-te na Águia Branca. Diz apenas que fui que te mandei e que o coche veio para levar o senhor capitão. Repete.
1ª Página do livro, As Velas Ardem Até Ao Fim, de Sándor Márai, Dom Quixote, 7ª edição Fevereiro de 2005.
Nota: Gosto muito desta passagem do livro, que passo a transcrever:
É a maior tragédia, com que o destino pode castigar o homem.O desejo de ser outro, diferente daquilo que somos: não pode arder um desejo mais doloroso no coração humano. Porque não é possível suportar a vida de outra maneira, apenas sabendo que nos conformamos com aquilo que significamos para nós próprios e para o mundo. Temos de nos conformar com aquilo que somos e de ter consciência, quando nos conformamos, de que em troca dessa sabedoria, não recebemos elogios da vida, não nos põem no peito nenhuma condecoração por sabermos e aceitarmos que somos vaidosos ou egoístas, carecas e barrigudos - não, temos de saber que por nada disso recebemos recompensas nem louvores.Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os defeitos, egoísmo e avidez, não os mudam nem a experiência, nem a compreensão.Temos de suportar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo. Temos de suportar que as pessoas que amamos, não nos amem, ou que não nos amem como gostaríamos.Temos de suportar a traição e a infidelidade, e o que é o mais difícil entre todas as tarefas humanas, temos de suportar a superioridade moral ou intelectual de uma outra pessoa.
publicado por armando ésse às 08:59

Maio 03 2008
Um excepcional blogue, onde se mata as saudades e memórias.
publicado por armando ésse às 08:50
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Maio 03 2008
Um excepcional blogue, onde se mata as saudades e memórias.
publicado por armando ésse às 08:50
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Maio 03 2008
Faz hoje um ano que angélica Maddie morreu. Uma morte triste, solitária e nebulosa, para tão curta existência.
publicado por armando ésse às 08:09

Maio 03 2008
Faz hoje um ano que angélica Maddie morreu. Uma morte triste, solitária e nebulosa, para tão curta existência.
publicado por armando ésse às 08:09

Maio 02 2008

O boné verde de caçador apertava-lhe o alto da cabeça, que era um balão carnudo. As abas verdes, preenchidas com orelhas enormes, cabelos compridos e a penugem rala dos ouvidos, elevavam-se de ambos os lados, quais sinais de trânsito que indicassem dois sentidos ao mesmo tempo. Os lábios cheios e franzidos salientavam-se sob o bigode negro e farfalhudo e, aos cantos, descaíam em pequenas rugas cheias de censuras e de restos de batatas fritas. À sombra da pala do boné verde, os olhos azuis e amarelos de Ignatius J. Reilly fitavam com sobranceria as outras pessoas que esperavam debaixo do relógio dos armazéns D. H. Holmes, examinando a multidão, em busca de sinais de mau gosto no vestir. Ignatius reparou que várias roupas eram suficientemente novas e caras para poderem considerar-se propriamente ofensas ao bom gosto e à decência. O facto de uma pessoa possuir uma peça de vestuário nova ou cara só reflectia a sua falta de teologia e de geometria; podia até suscitar dúvidas acerca da sua alma.
Ignatius estava vestido com conforto e sensatez. O boné de caçador protegia-lhe as orelhas do frio. As volumosas calças de tweed eram duráveis e permitiam-lhe mover-se com uma invulgar facilidade. As suas pregas e ângulos continham bolsas de ar quente e viciado que confortava Ignatius. A camisa de flanela aos quadrados dispensava o uso de um casaco e o sobretudo protegia a pele exposta de Reilly entre as abas e o colarinho. O conjunto era aceitável à luz de quaisquer padrões teológicos e geométricos, ainda que abstruso, e sugeria uma vida interior rica.
Balançando as ancas à sua maneira arrastada e elefantina, Ignatius projectava ondas de carne que se agitavam debaixo do tweed e da flanela e iam rebentar nos botões e nas costuras. Entretanto, pensava que já estava há muito tempo à espera da mãe. Acima de tudo, pensava no desconforto que começava a sentir. Parecia que todo o seu ser estava prestes a rebentar pelas botas inchadas de camurça e, para comprová-lo, voltou os olhos singulares para os pés. De facto, parecia que tinha os pés inchados. Estava pronto a apontar à mãe aquelas botas inchadas como prova da sua negligência. Levantando a cabeça, reparou que o sol começava a descer sobre o Mississipi, ao fundo de Canal Street. O relógio Holmes indicava que eram quase cinco horas. Ignatius dava os últimos retoques numa série de acusações cuidadosamente preparadas para conduzir a mãe ao arrependimento ou, pelo menos, à confusão. Muitas vezes era obrigado a pô-la no seu lugar.
1ª Página do livro, Uma Conspiração de Estúpidos, de John Kennedy Toole, Terramar, 2ª edição Fevereiro de 1998.

Nota: Quando John Kennedy Toole, acabou de escrever este seu livro, submeteu o manuscrito à apreciação de uma das mais importantes editoras norte-americanas, que recusou editá-lo. Outras sete se seguiriam e todas se recusaram a fazer a edição do livro. Frustrado, por este insucesso, John Kennedy Toole, suicidou-se em 26 de Março de 1969, com a idade de 31 anos.
Em 1976, a mãe do autor, Thelma Toole, insistiu junto do escritor e académico, Walker Percy, para ter uma opinião do manuscrito que o filho tinha deixado completo. Contrariado, pela persistência da senhora, Percy não teve outra solução que ler o manuscrito, na esperança que ele fosse tão fraco, que ao fim de meia dúzia de páginas, em consciência, não fosse obrigado a ler mais. Era muito bom.
Com o patrocínio de Walker Percy, a Louisiana State University Press, fez em 1980 uma edição de 2500 exemplares. Esta edição, foi um acontecimento marcante no mundo literário norte-americano, o que levou Toole a receber postumamente, em 1981 o Prémio Pulitzer de Ficção. O livro já vendeu mais de um milhão e meio de cópias e está editado em dezoito línguas.
publicado por armando ésse às 14:53

Maio 02 2008

O boné verde de caçador apertava-lhe o alto da cabeça, que era um balão carnudo. As abas verdes, preenchidas com orelhas enormes, cabelos compridos e a penugem rala dos ouvidos, elevavam-se de ambos os lados, quais sinais de trânsito que indicassem dois sentidos ao mesmo tempo. Os lábios cheios e franzidos salientavam-se sob o bigode negro e farfalhudo e, aos cantos, descaíam em pequenas rugas cheias de censuras e de restos de batatas fritas. À sombra da pala do boné verde, os olhos azuis e amarelos de Ignatius J. Reilly fitavam com sobranceria as outras pessoas que esperavam debaixo do relógio dos armazéns D. H. Holmes, examinando a multidão, em busca de sinais de mau gosto no vestir. Ignatius reparou que várias roupas eram suficientemente novas e caras para poderem considerar-se propriamente ofensas ao bom gosto e à decência. O facto de uma pessoa possuir uma peça de vestuário nova ou cara só reflectia a sua falta de teologia e de geometria; podia até suscitar dúvidas acerca da sua alma.
Ignatius estava vestido com conforto e sensatez. O boné de caçador protegia-lhe as orelhas do frio. As volumosas calças de tweed eram duráveis e permitiam-lhe mover-se com uma invulgar facilidade. As suas pregas e ângulos continham bolsas de ar quente e viciado que confortava Ignatius. A camisa de flanela aos quadrados dispensava o uso de um casaco e o sobretudo protegia a pele exposta de Reilly entre as abas e o colarinho. O conjunto era aceitável à luz de quaisquer padrões teológicos e geométricos, ainda que abstruso, e sugeria uma vida interior rica.
Balançando as ancas à sua maneira arrastada e elefantina, Ignatius projectava ondas de carne que se agitavam debaixo do tweed e da flanela e iam rebentar nos botões e nas costuras. Entretanto, pensava que já estava há muito tempo à espera da mãe. Acima de tudo, pensava no desconforto que começava a sentir. Parecia que todo o seu ser estava prestes a rebentar pelas botas inchadas de camurça e, para comprová-lo, voltou os olhos singulares para os pés. De facto, parecia que tinha os pés inchados. Estava pronto a apontar à mãe aquelas botas inchadas como prova da sua negligência. Levantando a cabeça, reparou que o sol começava a descer sobre o Mississipi, ao fundo de Canal Street. O relógio Holmes indicava que eram quase cinco horas. Ignatius dava os últimos retoques numa série de acusações cuidadosamente preparadas para conduzir a mãe ao arrependimento ou, pelo menos, à confusão. Muitas vezes era obrigado a pô-la no seu lugar.
1ª Página do livro, Uma Conspiração de Estúpidos, de John Kennedy Toole, Terramar, 2ª edição Fevereiro de 1998.

Nota: Quando John Kennedy Toole, acabou de escrever este seu livro, submeteu o manuscrito à apreciação de uma das mais importantes editoras norte-americanas, que recusou editá-lo. Outras sete se seguiriam e todas se recusaram a fazer a edição do livro. Frustrado, por este insucesso, John Kennedy Toole, suicidou-se em 26 de Março de 1969, com a idade de 31 anos.
Em 1976, a mãe do autor, Thelma Toole, insistiu junto do escritor e académico, Walker Percy, para ter uma opinião do manuscrito que o filho tinha deixado completo. Contrariado, pela persistência da senhora, Percy não teve outra solução que ler o manuscrito, na esperança que ele fosse tão fraco, que ao fim de meia dúzia de páginas, em consciência, não fosse obrigado a ler mais. Era muito bom.
Com o patrocínio de Walker Percy, a Louisiana State University Press, fez em 1980 uma edição de 2500 exemplares. Esta edição, foi um acontecimento marcante no mundo literário norte-americano, o que levou Toole a receber postumamente, em 1981 o Prémio Pulitzer de Ficção. O livro já vendeu mais de um milhão e meio de cópias e está editado em dezoito línguas.
publicado por armando ésse às 14:53

Maio 02 2008

Recebi este selo de amizade através do César Paulo Salema, do blogue A Vida é Uma Magnólia, ao qual agradeço a atribuição e a distinção.
Este selo faz parte da corrente da blogosfera, Campanha da Amizade, que consiste em copiar o selo aqui exibido e nomear cinco blogues amigos, avisando cada um deles da sua nomeação.
Apesar de não gostar nada de correntes, só o nome mete-me pavor, não é por mim que esta corrente será quebrada.
Assim nomeio, os cinco ilustres blogues amigos:
Lote 5 - 1º Dto.
MGBOM.
Tudo Sobre Eva.
Ilustração Portuguesa.
Peciscas.
publicado por armando ésse às 13:14
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Maio 02 2008

Recebi este selo de amizade através do César Paulo Salema, do blogue A Vida é Uma Magnólia, ao qual agradeço a atribuição e a distinção.
Este selo faz parte da corrente da blogosfera, Campanha da Amizade, que consiste em copiar o selo aqui exibido e nomear cinco blogues amigos, avisando cada um deles da sua nomeação.
Apesar de não gostar nada de correntes, só o nome mete-me pavor, não é por mim que esta corrente será quebrada.
Assim nomeio, os cinco ilustres blogues amigos:
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Maio 02 2008
Action Mines Canada: Not a game
.
The search continues (also meaning the game is not over). Anti-personnel landmines still kill 15000 people every year.

Advertising Agency: Palm Arnold, Montréal, Canada
Creative Director: Pascal De Decker
Art Director: Sebastien Boutebel
Copywriter: Jean-Laurent Py
publicado por armando ésse às 08:45

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