A FÁBRICA

Maio 29 2008

O garoto de cabelo cor-de-mel agachou-se, deixou-se escorregar ao longo do último troço do rochedo e encaminhou-se para a lagoa. Embora tivesse tirado o blusão, parte do seu uniforme escolar, e o arrastasse agora pela mão, a camisa cinzenta colava-se à pele e o cabelo encodeava-se-lhe na testa. À sua volta, a funda clareira rasgada na selva era um banho de calor. Rompia pesadamente por entre as lianas e os troncos quebrados, quando um pássaro, uma visão de vermelho e amarelo, cintilou numa fuga para o alto com um grito de feitiço. A este grito o eco respondeu com outro.
-Eh! – disse uma voz. – Espera um momento!
O matagal, num dos bordos da clareira, agitou-se e uma saraivada de gotas de água caiu com estridor.
-Espera um momento – repetia a voz. – Estou aqui preso.
O garoto de cabelo cor-de-mel abaixou-se e repuxou as peúgas com um gesto automático que fez com que a selva por um momento se parecesse com os condados ingleses.
A voz ouvia-se de novo.
-Nem me posso mexer com todas estas trepadeiras.
O dono da voz emergiu, esbracejando com o restolho alto, de modo que os ramalhos vibraram contra uma pala sebenta. As rótulas nuas dos joelhos eram grossas e tinham sido apanhadas e arranhadas por espinhos. Debruçou-se, tirou cuidadosamente os espinhos e voltou-se. Era mais baixo que o garoto louro e muito gordo. Adiantou-se, buscando piso seguro para os pés, e olhou então através dos óculos de lentes grossas.
1ª Página do livro, O Deus das Moscas, de William Golding, Vega, 1º edição, 1997.

Nota: William Golding (1911-1993), romancista inglês, Prémio Nobel em 1983, nasceu na Cornualha e cursou a Universidade de Oxford, dedicando-se ao estudo da Literatura inglesa. Professor, abandonou a profissão durante a II Grande Guerra, tendo servido na Royal Navy.Depois da Guerra, Golding deu-se à escrita.0 seu primeiro romance, em 1954, O Deus das Moscas (filme de Peter Brook em 1963), foi um sucesso, tendo a crítica internacional considerado a obra como uma das maiores do século XX. Depois deste seu primeiro título (traduzido em todo o mundo culto), Golding escreveu ainda Os Herdeiros (1955), Pincher Martin (1956), Borboleta de Latão (1958) e Queda Livre (1959).Outras obras: Rites of Passage (1980), Close Quarters (1987) e Fire Down Below (1989). Estes romances constituem uma trilogia galardoada com o Booker Prize. Assunto da trilogia: dilemas morais e reacções humanas em situações limite. O mar e a navegação são presenças constantes na sua escrita.Escreveu também vários ensaios - e o seu último romance, The Double Tongue, foi publicado postumamente em 1995. Em 88, foi elevado ao grau de Cavaleiro, juntando ao seu nome o título de Sir. (Vega).
publicado por armando ésse às 14:38

Maio 29 2008

O garoto de cabelo cor-de-mel agachou-se, deixou-se escorregar ao longo do último troço do rochedo e encaminhou-se para a lagoa. Embora tivesse tirado o blusão, parte do seu uniforme escolar, e o arrastasse agora pela mão, a camisa cinzenta colava-se à pele e o cabelo encodeava-se-lhe na testa. À sua volta, a funda clareira rasgada na selva era um banho de calor. Rompia pesadamente por entre as lianas e os troncos quebrados, quando um pássaro, uma visão de vermelho e amarelo, cintilou numa fuga para o alto com um grito de feitiço. A este grito o eco respondeu com outro.
-Eh! – disse uma voz. – Espera um momento!
O matagal, num dos bordos da clareira, agitou-se e uma saraivada de gotas de água caiu com estridor.
-Espera um momento – repetia a voz. – Estou aqui preso.
O garoto de cabelo cor-de-mel abaixou-se e repuxou as peúgas com um gesto automático que fez com que a selva por um momento se parecesse com os condados ingleses.
A voz ouvia-se de novo.
-Nem me posso mexer com todas estas trepadeiras.
O dono da voz emergiu, esbracejando com o restolho alto, de modo que os ramalhos vibraram contra uma pala sebenta. As rótulas nuas dos joelhos eram grossas e tinham sido apanhadas e arranhadas por espinhos. Debruçou-se, tirou cuidadosamente os espinhos e voltou-se. Era mais baixo que o garoto louro e muito gordo. Adiantou-se, buscando piso seguro para os pés, e olhou então através dos óculos de lentes grossas.
1ª Página do livro, O Deus das Moscas, de William Golding, Vega, 1º edição, 1997.

Nota: William Golding (1911-1993), romancista inglês, Prémio Nobel em 1983, nasceu na Cornualha e cursou a Universidade de Oxford, dedicando-se ao estudo da Literatura inglesa. Professor, abandonou a profissão durante a II Grande Guerra, tendo servido na Royal Navy.Depois da Guerra, Golding deu-se à escrita.0 seu primeiro romance, em 1954, O Deus das Moscas (filme de Peter Brook em 1963), foi um sucesso, tendo a crítica internacional considerado a obra como uma das maiores do século XX. Depois deste seu primeiro título (traduzido em todo o mundo culto), Golding escreveu ainda Os Herdeiros (1955), Pincher Martin (1956), Borboleta de Latão (1958) e Queda Livre (1959).Outras obras: Rites of Passage (1980), Close Quarters (1987) e Fire Down Below (1989). Estes romances constituem uma trilogia galardoada com o Booker Prize. Assunto da trilogia: dilemas morais e reacções humanas em situações limite. O mar e a navegação são presenças constantes na sua escrita.Escreveu também vários ensaios - e o seu último romance, The Double Tongue, foi publicado postumamente em 1995. Em 88, foi elevado ao grau de Cavaleiro, juntando ao seu nome o título de Sir. (Vega).
publicado por armando ésse às 14:38

Maio 29 2008

Segundo a BBC, a escultura do artista alemão Martin Kippenberger, chamada “Zuerst die Fusse”, que tem um metro de altura e é feita de madeira pintada de verde, retratando uma rã crucificada, que segura numa das mãos uma caneca de cerveja, e na outra, um ovo, está a receber fortes críticas na cidade italiana de Bolzano, onde está exposta no Museu de Arte Moderna e Contemporânea da cidade, por pretensa ofensa aos católicos.
A escultura serviu como uma espécie de introdução à exposição e foi colocada na entrada do museu. Isso choca os visitantes, na opinião do bispo de Bolzano, Wilhelm Egger. “Hoje, os símbolos da fé cristã são muitas vezes desprezados, mas o respeito pelos símbolos e sentimentos religiosos é fundamental”, afirmou o bispo.
Por sua vez, o governador do Alto Ádige, Luis Durnwalder, foi mais longe e pediu que a escultura fosse retirada da exposição, alegando que a obra representa uma ofensa aos valores católicos.
Acabou tudo em bem, com o acordo entre o governador e a direcção do museu, na qual esta se comprometeu, expor ao lado da escultura, informações que expliquem como a obra foi feita e o seu significado.
Tirando o mau gosto da obra, também não gosto de crucifixos, a obra não me ofende em nada, porém, seria muito grave "crucificar" o artista pela sua criação.
publicado por armando ésse às 14:33
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Maio 29 2008

Segundo a BBC, a escultura do artista alemão Martin Kippenberger, chamada “Zuerst die Fusse”, que tem um metro de altura e é feita de madeira pintada de verde, retratando uma rã crucificada, que segura numa das mãos uma caneca de cerveja, e na outra, um ovo, está a receber fortes críticas na cidade italiana de Bolzano, onde está exposta no Museu de Arte Moderna e Contemporânea da cidade, por pretensa ofensa aos católicos.
A escultura serviu como uma espécie de introdução à exposição e foi colocada na entrada do museu. Isso choca os visitantes, na opinião do bispo de Bolzano, Wilhelm Egger. “Hoje, os símbolos da fé cristã são muitas vezes desprezados, mas o respeito pelos símbolos e sentimentos religiosos é fundamental”, afirmou o bispo.
Por sua vez, o governador do Alto Ádige, Luis Durnwalder, foi mais longe e pediu que a escultura fosse retirada da exposição, alegando que a obra representa uma ofensa aos valores católicos.
Acabou tudo em bem, com o acordo entre o governador e a direcção do museu, na qual esta se comprometeu, expor ao lado da escultura, informações que expliquem como a obra foi feita e o seu significado.
Tirando o mau gosto da obra, também não gosto de crucifixos, a obra não me ofende em nada, porém, seria muito grave "crucificar" o artista pela sua criação.
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Maio 29 2008

Clicar na imagem para aumentar.

Advertising Agency: Leo Burnett, Lisbon, Portugal
Creative Directors: Chacho Puebla, Joao Roque
Art Director: Ricardo Toledo
Copywriters: Chacho Puebla, Bruno Ribeiro
Illustrator: Mico
publicado por armando ésse às 14:30

Maio 29 2008

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Creative Directors: Chacho Puebla, Joao Roque
Art Director: Ricardo Toledo
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Maio 28 2008

Durante a segunda metade dos anos 60, em parte por motivos de estudo, em parte por outros que eu próprio não descortino bem, viajei amiúde entre a Inglaterra e a Bélgica, umas vezes por um ou dois dias, outras várias semanas. Numa destas excursões à Bélgica que, assim me parecia, me levavam cada vez mais longe em terra alheia, fui parar, numa gloriosa manhã do princípio do Verão, à cidade de Antuérpia, que até então apenas conhecia de nome. Logo à chegada, enquanto o comboio deslizava lentamente pelo viaduto rematado de ambos os lados por umas curiosas torrezinhas aguçadas e entrava no vão escuro da estação, fui tomado de um mal-estar, uma sensação de incómodo que não mais me largou durante todo o tempo dessa minha visita à Bélgica. Recordo ainda a insegurança dos passos com que dei uma volta pelo centro da cidade, percorri Jerusalemstraat, Nachtegaalstraat, Plikaanstraat, Paradijstraat, Immerseelstraat e muitas outras ruas e vielas, e que, por fim, afligido por uma dor de cabeça e pensamentos desagradáveis, me refugiei no jardim zoológico, perto de Astriplein, ao lado da Centraal Station. Por ali fiquei, aver se me sentia um pouco melhor, sentado num banco meio à sombra junto a um aviário onde esboaçavam numerosos tentilhões e pintassilgos. Enquanto a tarde foi passando deambulei pelo parque e acabei por ir ver o Nocturama, aberto apenas há um par de meses. Foi preciso algum tempo para que os olhos se adaptassem àquela penumbra artificial e eu pudesse reconhecer os diversos animais que levavam vidas obscuras por trás da vidraça, a uma pálida luz lunar. Já não sei quais foram os animais que vi nessa visita ao Nocturama de Antuérpia.
1ª Página do livro, Austerlitz, de W.G. Sebald, Editorial Teorema, 1ª edição Setembro de 2004.

Nota: A morte prematura de W.G. Sebald foi uma perda irreparável para a literatura contemporânea. W. G. Sebald, morreu tragicamente em Dezembro de 2001, de ataque cardíaco, depois de sofrer um acidente de viação, numa rua da cidade inglesa de Norwich. Nascido em Wertach im Allgäu, na Alemanha, em 1944, estudou Língua e Literatura Alemãs em Freiburg, na Suiça e em Manchester. A partir de 1970 ensinou na Universidade de East Anglia, em Morwich, tornando-se professor de Literatura Europeia, em 1987. Deixou um legado pouco volumoso em quantidade, apenas quatro obras de ficção, e não digo romances, pois é extremamente difícil classificar o género literário, da obra de W.G. Sebald.
Mas, independentemente da dificuldade que os estudiosos têm de rotular a obra de Sebald, este seu livro, Austerlitz, é provavelmente o melhor romance escrito no século XXI.
publicado por armando ésse às 15:27

Maio 28 2008

Durante a segunda metade dos anos 60, em parte por motivos de estudo, em parte por outros que eu próprio não descortino bem, viajei amiúde entre a Inglaterra e a Bélgica, umas vezes por um ou dois dias, outras várias semanas. Numa destas excursões à Bélgica que, assim me parecia, me levavam cada vez mais longe em terra alheia, fui parar, numa gloriosa manhã do princípio do Verão, à cidade de Antuérpia, que até então apenas conhecia de nome. Logo à chegada, enquanto o comboio deslizava lentamente pelo viaduto rematado de ambos os lados por umas curiosas torrezinhas aguçadas e entrava no vão escuro da estação, fui tomado de um mal-estar, uma sensação de incómodo que não mais me largou durante todo o tempo dessa minha visita à Bélgica. Recordo ainda a insegurança dos passos com que dei uma volta pelo centro da cidade, percorri Jerusalemstraat, Nachtegaalstraat, Plikaanstraat, Paradijstraat, Immerseelstraat e muitas outras ruas e vielas, e que, por fim, afligido por uma dor de cabeça e pensamentos desagradáveis, me refugiei no jardim zoológico, perto de Astriplein, ao lado da Centraal Station. Por ali fiquei, aver se me sentia um pouco melhor, sentado num banco meio à sombra junto a um aviário onde esboaçavam numerosos tentilhões e pintassilgos. Enquanto a tarde foi passando deambulei pelo parque e acabei por ir ver o Nocturama, aberto apenas há um par de meses. Foi preciso algum tempo para que os olhos se adaptassem àquela penumbra artificial e eu pudesse reconhecer os diversos animais que levavam vidas obscuras por trás da vidraça, a uma pálida luz lunar. Já não sei quais foram os animais que vi nessa visita ao Nocturama de Antuérpia.
1ª Página do livro, Austerlitz, de W.G. Sebald, Editorial Teorema, 1ª edição Setembro de 2004.

Nota: A morte prematura de W.G. Sebald foi uma perda irreparável para a literatura contemporânea. W. G. Sebald, morreu tragicamente em Dezembro de 2001, de ataque cardíaco, depois de sofrer um acidente de viação, numa rua da cidade inglesa de Norwich. Nascido em Wertach im Allgäu, na Alemanha, em 1944, estudou Língua e Literatura Alemãs em Freiburg, na Suiça e em Manchester. A partir de 1970 ensinou na Universidade de East Anglia, em Morwich, tornando-se professor de Literatura Europeia, em 1987. Deixou um legado pouco volumoso em quantidade, apenas quatro obras de ficção, e não digo romances, pois é extremamente difícil classificar o género literário, da obra de W.G. Sebald.
Mas, independentemente da dificuldade que os estudiosos têm de rotular a obra de Sebald, este seu livro, Austerlitz, é provavelmente o melhor romance escrito no século XXI.
publicado por armando ésse às 15:27

Maio 28 2008

No relatório, deste ano da Amnistia Internacional (AI), Portugal volta a ser citado, devido à violência contra as mulheres e aos maus-tratos da polícia. De acordo com o relatório da AI, 39 mulheres foram mortas pelos cônjuges durante o ano de 2006.
Melhor dizendo, 39 mulheres foram mortas pelos covardes que viviam com elas. Estas 39 vítimas mortais são apenas a ponta do iceberg, dessa praga social, que é a violência doméstica.
Sobre os alegados maus-tratos da polícia, o documento afirma que, em Portugal, “as alegações de maus-tratos por parte da polícia e subsequente impunidade dos envolvidos persistiram durante o ano de 2007”.
Não é nada de novo, tal é a frequência, deste abuso de autoridade, com resquícios de outras eras, na polícia portuguesa
Num universo de 150 países, a que se refere o relatório da AI, 81 continuam a usar a tortura ou a maltratar pessoas. No ano em que se comemora 60 anos da adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional desafia os líderes mundiais a pedirem desculpa e a assumirem novos compromissos.
publicado por armando ésse às 14:27

Maio 28 2008

No relatório, deste ano da Amnistia Internacional (AI), Portugal volta a ser citado, devido à violência contra as mulheres e aos maus-tratos da polícia. De acordo com o relatório da AI, 39 mulheres foram mortas pelos cônjuges durante o ano de 2006.
Melhor dizendo, 39 mulheres foram mortas pelos covardes que viviam com elas. Estas 39 vítimas mortais são apenas a ponta do iceberg, dessa praga social, que é a violência doméstica.
Sobre os alegados maus-tratos da polícia, o documento afirma que, em Portugal, “as alegações de maus-tratos por parte da polícia e subsequente impunidade dos envolvidos persistiram durante o ano de 2007”.
Não é nada de novo, tal é a frequência, deste abuso de autoridade, com resquícios de outras eras, na polícia portuguesa
Num universo de 150 países, a que se refere o relatório da AI, 81 continuam a usar a tortura ou a maltratar pessoas. No ano em que se comemora 60 anos da adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional desafia os líderes mundiais a pedirem desculpa e a assumirem novos compromissos.
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