A FÁBRICA

Janeiro 29 2005




"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido.Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta cada dia. Vivemos todos ao acaso.Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a vida espiritual, intelectual parada...

A ruína económica cresce,cresce,cresce. As quebras (falências) sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.O país vive numa sonolência enfastiada.A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.

Diz-se por toda a parte: o país está perdido!

Ninguém se ilude."



Quando lemos este texto de Eça de Queiroz, publicado no primeiro número d'As Farpas, corria o mês de Maio de 1871, não podemos deixar de pensar, que o retrato que Eça fazia do país no século XIX, não é muito diferente do Portugal dos dias que correm. O nosso País continua a ser um país de imbecilidades, de conveniências,de compadrios nas altas esferas do Estado, de nomeações descaradas para pagar favores,de vazio de objectivos económicos e sociais, de indústria em decadência e por consequência desemprego, de comércio falido, de miséria social, de falta de solideriedade, de salários de miséria, de um sistema judicial inerte, de corrupção fiscal. A acção política perdeu a responsabilidade, a nobreza, a paixão dos homens e das mulheres dispostas a lutar e a sofrer pelos seus ideais.Um país triste, como é a sua música. Espero estar enganado, mas não me parece que vamos conseguir inverter este sentimento no próximo dia 20 de Fevereiro."Diz-se por toda a parte: o país está perdido!"



Texto nas páginas 16 e 17 de "As Farpas", de Eça de Queiroz/Ramalho Ortigão, coordenação Maria Filomena Mónica, edição Principia.

publicado por armando ésse às 09:37

É deveras interessante. Se não nos disseres que o texto foi escrito por Eça de Queiroz, ficamos pensando que se trata dum discurso actual produzido nestes últimos dias.
francis a 29 de Janeiro de 2005 às 13:11

Realmente...se não dissesses de quem era o texto, diria que foi escrito hoje, aqui e agora, pois retrata o pais real. Antecipação de Eça? Ou o pais anda assim desde essa altura? Angelis (http://pedevento2004.blogs.sapo.pt e http://pipocaecompanhia.blogs.sapo.pt)
Anónimo a 29 de Janeiro de 2005 às 17:34

Este texto é, sem dúvida, incrivelmente actual.
speak_easy a 29 de Janeiro de 2005 às 21:05

Bem actual,será que o Eça era visionário?
Não nos podemos esquecer que o país está fechado,pelo menos até meados de Fevereiro.
Å®t_Øf_£övë a 30 de Janeiro de 2005 às 01:54

Bem dito e bem presente pelo meu conterrâneo Eça !
"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos" Creio que sim...infelizmente !

Armando: O Software Picasa não tem o manual em portugues ...pois não ?

Abraço
Finurias
Toze a 30 de Janeiro de 2005 às 16:45

Caro Armando, não sei se se trata de termos no Eça alguém visionário, se termos um país retrógrado. O certo é que tudo isto me entristece! Muito!
LS a 31 de Janeiro de 2005 às 00:24

Long time no see, tem sido dificil comentar no teu blog, de certo por culpa do meu computador. Eu vejo algo diferente neste texto: que desde sempre os portugueses, desde o povão até aos ditos bem-pensantes, foram prolíficos em críticas, diagnósticos e "isto vai de mau a pior", mas em pouca acção. Para mim, o nacional-negativismo (que de certa forma andará de mão dada com o nacional-porreirismo) é um desporto nacional, de tão fácil que é de jogar, que oferece apenas uma justificação para a inércia das pessoas. "Assim como assim, o país é uma bosta, para quê agir?" - é este o espírito. Eu estou farto disto, tal como estou farto de ouvir os senadores que falam muito lá de cima mas que se recusam a descer à política activa (será que o Freitas do Amaral vai ser um excepção?), estou farto de ver os académicos deixarem o país em busca de fama e dinheiro, estou farto de ler as crónicas negativistas que não há cão nem gato que não escreva nos jornais e revistas, mas que não trazem ideias novas, e estou farto do povo que muito critica e pouco vota. Reina a inércia, a tristeza e a mediania em Portugal, precisamos de ACÇÃO.
Pedro a 31 de Janeiro de 2005 às 12:42

diria quase que o Eça teria escrito tudo isso...hoje!
hamy-pros-friends a 31 de Janeiro de 2005 às 21:57

Grandes Visionários tinhamos... e corajosos também! Diziam as coisas claramente, sem receio de perderem nada!
O País está perdido, e nós, também!
Já não acredito na política, nem no que move os nosso politicos, actualmente!
Estão-se a perder todos os valores, em política, e mesmo aqueles, que eu acreditava que, seriam Homens, sem interesses dúbios, colocando acima de tudo, os seus saberes, as suas experiências, em proveito do País e dos Portugueses, vejo-o, par a par, com aquilo que de mais ignóbil considero: "venderem-se".

Que rostos temos agora? Que homens se oferecem de coração puro e aberto, para nos guiarem e defenderem?

Os interesses!... são todos iguais! Todos! (menina_marota, desanimada!)
http://eternamentemenina.blogs.sapo.pt/
Menina_marota a 1 de Fevereiro de 2005 às 11:14

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