A FÁBRICA

Dezembro 16 2006

( O Grito - Eduard Munch)

A receita já é conhecida – cria-se uma cena dramática, solicitam-se opiniões a sábios, expõem-se os objectivos, define-se o modus operandi e engana-se o povo.
Atinemos nas peripécias com a tão proclamada reforma da Administração Pública com o propósito de privatizar os serviços públicos e de como alguns grupos financeiros estão afiando os dentes à procura de aumentar os seus lucros à custa do Estado e dos utentes.
Cria-se a ideia que o País tem “Estado” a mais e faz-se recair o odioso do mau funcionamento dos Serviços da Administração Pública na existência de um regime laboral específico da Função Pública.
A partir daqui vale tudo! Proliferam e vociferam as vozes contra os trabalhadores: a improdutividade e o mau desempenho, as regalias e mordomias, seu número exagerado, a má qualidade do serviço prestado, os enormes encargos que acarretam, e tudo o mais que sirva para denegrir a imagem destes servidores. De tal modo que um pacato cidadão depois de tanto massacrado com tamanhas enormidades fica revoltado e junta a sua voz a todos que gritam abaixo o Estado! Viva a livre Iniciativa! Viva a concorrência! A economia! O mercado! Viva! Tudo o que é privado é bom! Tudo que é público é mau! Viva! Viva a estupidez! Viva! Viva! Viva!
Criado o cenário é preciso passar à fase seguinte, cortam-se as regalias, despedem-se milhares de trabalhadores, aumenta-se a idade da reforma, aumentam-se os descontos, congela-se a progressão na carreira, diminui-se a remuneração e as pensões, altera-se o estatuto do funcionário e o seu vinculo, encerram-se serviços, prometem-se muitas mais medidas que estarão a ser “paridas” a qualquer momento e tudo isto, segundo o ministro das finanças, para o bem dos trabalhadores (!).
Entretanto são criadas duas empresas públicas para gerir pessoas, finanças e compras do Estado, as denominadas GeRAP e ANCP, mais ágeis e flexíveis a gerir a coisa pública com critérios e métodos empresariais.
Mas o pacato cidadão revoltado agora ficou perplexo e parece-lhe que, com a criação destas empresas públicas, o governo estará a tirar de um lado para por no outro, com a agravante (comprovada) de que a externalização de serviços é mais onerosa para o Estado.
Mas meu caro cidadão pacato revoltado e perplexo acrescente mais um estado ao seu ânimo e fique também estupefacto com tanta esperteza do Governo. Então não é que o próprio diploma que cria as ditas empresas também prevê que os serviços do Estado podem, se bem o entenderem, recorrer a serviços privados (de acordo com a lei do mercado) e como é previsível que aquelas empresas não vão ter capacidade concorrencial (até pela aplicação do principio demonstrado de que tudo o que é público é caro e mau) este será assim apenas um meio expedito de escancarar as portas ao sector privado.
(Se não fossemos bem intencionados até poderíamos pensar que se aquelas empresas não vão afinal prestar qualquer serviço, estarão a ser criadas apenas para colocar uns amigos entretanto desocupados pela extinção de serviços).
As privatizações irão alargar-se e entrar desde logo nas áreas da educação e saúde, aplicando-se o principio do utilizador pagador (quem quer paga) mas, o governo com a sua vertente socialista não se esquecerá dos pobres e na sua vocação reformista já estará a pensar em reconverter alguns antigos asilos, hospícios, reformatórios e outras instituições de caridade para que ninguém fique de fora deste desígnio nacional.
JORGE GASPAR.
publicado por armando ésse às 10:23

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